Opinião | Proibir ou regular? Mototáxi em São Paulo expõe velho dilema das inovações

Impasse segue roteiro já visto com aplicativos de transporte e hospedagem; riscos existem e devem ser mapeados, distribuindo responsabilidades e custos

Por Celso Basílio

A construção da Linha 4-Amarela do Metrô levou impressionantes 17 anos para ser concluída. Além da lenta expansão da malha metroviária, os paulistanos enfrentam tempos de deslocamento cada vez mais longos. De acordo com a pesquisa Viver em SP 2024: Mobilidade Urbana, da Rede Nossa São Paulo, realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) – antigo Ibope–, quem usa ônibus, metrô ou trem na cidade gasta, em média, 2 horas e 47 minutos por dia nos deslocamentos – um aumento de 10 minutos em relação a 2023.

Esse cenário evidencia que, apesar da participação da iniciativa privada na exploração do transporte público por meio de concessões, ainda há uma imensa demanda reprimida, exigindo soluções criativas e multimodais para atender de forma mais eficiente à mobilidade urbana, especialmente nas periferias. Como em qualquer grande centro urbano, a complexidade do deslocamento exige alternativas complementares que ampliem o acesso ao transporte de maneira ágil, acessível e integrada. Um exemplo recente é o serviço de mototáxi que começou a ser prestado por empresas especializadas em mobilidade urbana compartilhada na capital paulista como uma solução de transporte rápido e acessível, especialmente em regiões nas quais o transporte coletivo é insuficiente. Contudo, essa iniciativa, que atende a uma necessidade urgente, sobretudo dos moradores das periferias, tem enfrentado algumas barreiras.

Ainda está muito fresco na memória como foi a chegada do serviço de motorista por aplicativo pela Uber, que enfrentou forte oposição dos taxistas, e do Airbnb, alvo de críticas do setor hoteleiro. Em ambos, observou-se um processo dividido em três etapas: uma fase inicial de resistência acentuada, marcada por embates jurídicos e políticos; um segundo momento de debates e apelo dos consumidores – que são diretamente beneficiados, mas muitas vezes pouco ouvidos –; e, por fim, uma fase de regulamentação e acomodação, em que a tese vencedora favoreceu as empresas e consolidou o serviço como parte do cotidiano. Esse tem sido o caminho percorrido por muitas inovações que desafiam modelos tradicionais.

No caso do mototáxi, o embate segue um caminho semelhante. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, recentemente anunciou uma queixa-crime contra a 99 e declarou a intenção de fazer o mesmo com a Uber. A resistência do poder público tem como principal argumento a preocupação com o aumento de acidentes envolvendo motocicletas, uma questão relevante que exige atenção.

No entanto, o debate não deve se limitar à proibição do serviço, mas ser ampliado para discutir como regulamentá-lo de forma transparente, participativa, segura e eficiente.

A controvérsia ganhou um novo capítulo no dia 27 de janeiro de 2025, quando o desembargador Eduardo Gouvêa, da 7.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), concedeu o pedido de antecipação de tutela recursal formulado pelo município de São Paulo. A decisão determinou que as empresas de mobilidade se abstenham de prestar o serviço de mototáxi na cidade, sob o fundamento de que a atividade não possui respaldo legal e não atende aos requisitos normativos e de segurança exigidos para o transporte remunerado de passageiros.

O Município, ao interpor, baseou-se em três principais argumentos: a ilegalidade da operação devido à vigência do Decreto n.º 62.144/2023, que suspende o serviço de mototáxi; a ausência de previsão legal para essa modalidade na Lei Federal n.º 12.587/2012, que exige Carteira Nacional de Habilitação (CNH) categoria “B” e não menciona motocicletas; e o descumprimento de normas de segurança, como idade mínima de 21 anos para condutores, atestado de antecedentes criminais e uso de equipamentos obrigatórios previstos na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) n.º 943/2022.

Além de requerer a suspensão do serviço, o Município também solicitou a aplicação de multa diária no valor de R$ 1 milhão e a responsabilização das empresas pelo crime de desobediência, caso continuassem operando. Sobre este último ponto, a Prefeitura sustentou que a manutenção da atividade pelas empresas de mobilidade, mesmo após notificação oficial determinando a interrupção dos serviços, configuraria o crime de desobediência, conforme previsto no artigo 330 do Código Penal, que estabelece pena de detenção de 15 dias a 6 meses e multa para quem “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.

No entendimento do Município, o descumprimento do Decreto n.º 62.144/2023 representaria uma violação deliberada de uma determinação legal expedida no exercício da competência municipal para legislar sobre transporte urbano.

O desembargador, ao analisar o pedido, acatou os argumentos do Município, reconhecendo que a legislação federal não autoriza expressamente esse tipo de transporte via aplicativos e interpretando a ausência da categoria “A” na Lei n.º 12.587/2012 como uma omissão legislativa intencional, que impede a regulamentação da atividade sem legislação específica. Além disso, destacou que, embora existam duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) questionando o decreto acima, ambas tiveram pedidos liminares negados, de modo que a norma municipal permanece plenamente válida e eficaz. No entanto, o magistrado negou o pedido do Município para aplicação da multa e a tipificação de crime de desobediência.

Diante desse cenário, fica evidente que o serviço de mototáxi ainda se encontra na primeira fase do ciclo de resistência às inovações, caracterizada por embates jurídicos e ações políticas que visam barrar sua expansão. Contudo, o histórico de inovações disruptivas no setor de mobilidade sugere que o próximo passo deve ser o debate, com a inclusão de todos os atores envolvidos, para alcançar uma solução que permita a regulamentação do serviço em benefício da sociedade.

É inegável que essas inovações trazem riscos. No caso do mototáxi, o aumento de acidentes é uma preocupação relevante. Parece-nos que a solução não está em ignorar esses riscos, mas em mapeá-los e criar uma matriz de regulamentação que distribua responsabilidades e custos.

A verdade é que todos perdem com o litígio judicial que se instaurou – restringir a discussão desse serviço inovador a argumentos legalistas que resultarão na permissão ou proibição da atividade por decisão judicial – é insuficiente. Muito mais racional seria a construção de uma solução regulatória amplamente debatida, equilibrada e legitimada por todos os stakeholders: Estado, iniciativa privada e cidadãos.

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ADVOGADO NAS ÁREAS DE DIREITO REGULATÓRIO, CIVIL E CONTRATUAL, É MEMBRO DO COMITÊ DE REGULAÇÃO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE CONCORRÊNCIA, CONSUMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL E DO COMITÊ DE DIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CENTRO DE ESTUDO DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS

Opinião por Celso Basílio

Advogado nas áreas de Direito Regulatório, Civil e Contratual, é membro do Comitê de Regulação do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional e do Comitê de Diversidade e Responsabilidade Social do Centro de Estudo das Sociedades de Advogados

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