Espaço Aberto

José Vicente

Colunista convidado

São Paulo, um Estado de consciência

A Universidade Zumbi dos Palmares estará sempre pronta para ajudar na estruturação de um Estado de SP de tolerância e de respeito à dignidade humana

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Por José Vicente
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Foi com os negros e seus quilombos que o Brasil primeiramente vivenciou a construção de espaços democráticos de igualdade e consciência do valor inegociável da dignidade humana. Neles, negros, brancos, índios, homens, mulheres e crianças conviveram em relação de liberdade, fraternidade e respeito à diversidade. Foram também os negros, com sua força de trabalho, criação e inventividade, que ajudaram a transformar o Brasil de capitanias hereditárias na sexta maior economia do mundo.

Ainda assim, tradicionalmente os negros têm ficado do lado de fora da história oficial, preteridos, apagados e até descaracterizados. Mesmo nos ambientes e nas instituições cuja gênese se deu justamente por causa e por dentro da escravização. Se o passado da vergonha escravagista estruturou a cultura e a memória nacionais, por que ele continua apagado, invisível e excluído do debate, da reflexão e da reconstrução da verdade e da correção histórica? E, principalmente, por que é letra morta na comunicação e na informação daqueles que têm o passado totalmente impregnado por este, diríamos, espírito (e prática) da época?

Por isso ninguém coerente e de bom senso jamais entendeu por que no Estado onde os negros escravizados construíram sua riqueza, com a força do seu trabalho, e defenderam seus valores constitucionalistas com as baionetas perfiladas da Legião Negra não se tivesse, afinal, realizado qualquer gesto de reconhecimento, gratidão e, mesmo, de reparação. Ninguém nunca entendeu por que em São Paulo – o maior país negro da América do Sul – os negros permaneciam apagados e excluídos da sua historiografia, dos espaços sociais, do padrão da sua cultura e da sua estética. Por que, afinal, a história, o pertencimento e as contribuições culturais, políticas, econômicas, religiosas, científicas e artísticas dos negros continuavam diminuídos, excluídos e inferiorizados? Por que, afinal, no Estado das mil raças, a raça negra nunca houvera sido prestigiada e nunca tivera reconhecido o seu valor?

Foram essas as inquietações que moveram nossas primeiras reflexões e foi este o falso determinismo que nos propusemos a combater e transformar para que nascesse o novo e para que nossa geração constituísse um legado de valor e de grandiosidade. Foi com esse espírito e esse propósito que, depois de colocar de pé a primeira universidade negra do nosso país e nela formar milhares dos primeiros negros da família com diploma superior, criamos também a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, o maior conglomerado de empresas focadas no enfrentamento do racismo e compromissadas com a inclusão e a valorização da diversidade no ambiente corporativo. Foi com esta motivação e este entusiasmo que criamos a Flinksampa, a maior festa literária para os escritores negros de São Paulo; o Afrominuto, o maior festival escolar de vídeo pelo celular sobre a história de personagens negros do País; e o Troféu Raça Negra, o Oscar da comunidade negra.

Foi com este sentido de dever que juntamos os esforços para auxiliar na sanção, pelo governador Tarcísio de Freitas, do projeto de lei do deputado Teonilio Barba (PT-SP) que tornou feriado estadual o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, permitindo que São Paulo, generosamente, se juntasse aos quatro Estados, oito capitais e quase 2 mil municípios que já trilharam este caminho de reconhecimento e valorização da luta e da contribuição do negro para a grandeza do Brasil.

É com os mesmos entusiasmo e determinação que orgulhosamente apresentamos a São Paulo e ao Brasil o projeto de construção do primeiro Museu da História do Negro de São Paulo, cujo imóvel, doado pelo governo do Estado de São Paulo, se tornará peça fundamental para recuperar a memória, contar a verdadeira história e registrar o sofrimento e a dor da escravização, mas também inventariar e tornar pública e acessível a contribuição fabulosa do negro para tornar nosso país numa nação desenvolvida, promissora, poderosa, justa, plural e democrática.

Estes também são o fundamento e o espírito da Virada da Consciência, o maior evento cultural de celebração da semana da consciência negra no nosso Estado. Universidades, escolas, empresas, instituições culturais, jovens de todas as idades e, principalmente, gente de todas as cores, em mais de 500 eventos interativos e integrativos gratuitos em toda a cidade, para que todos possam conhecer, degustar e vivenciar a arte, a cultura, a história, a criação, a inventividade e as grandes realizações dos negros brasileiros.

Se for de reflexão, consciência, trabalho, cooperação e comprometimento que precisamos para evoluir no respeito, na valorização e na celebração da trajetória histórica do negro na nossa cidade, no nosso Estado e no nosso país, a Universidade Zumbi dos Palmares estará sempre pronta para ajudar na mudança e na estruturação de um Estado de São Paulo de consciência, tolerância e de respeito à dignidade humana, e na construção de um país de mulheres e homens livres, diversos e iguais.

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ADVOGADO, DOUTOR EM EDUCAÇÃO, É REITOR DA UNIVERSIDADE ZUMBI DOS PALMARES