Opinião | Soluções e investimentos que podem salvar o planeta

Belém deve ser marco na construção de soluções duradouras para a crise climática que integrem a natureza

Por Mauricio Bianco

O ano de 2024 confirmou o que cientistas previram: já vivemos a emergência climática. Desde o início do ano passado, acompanhamos acontecimentos que nos fizeram questionar o que estamos fazendo com o planeta. A Planetary Boundaries Science (PBScience), liderada por Johan Rockström, cientista-chefe da Conservação Internacional, apresentou recentemente o Planetary Health Check (PHC), que avalia a saúde dos sistemas vitais da Terra. O estudo revela que os impactos das mudanças climáticas se multiplicam e ocorrem de forma mais intensa e rápida que as ações de mitigação, tanto que seis dos nove limites planetários já foram ultrapassados.

No Brasil, vivemos pelo menos dois eventos impactantes em 2024 que serviram de alerta. As enchentes do Rio Grande do Sul, em maio, deixaram 800 mil desalojados ou desabrigados e centenas de mortos, com prejuízos estimados em mais de R$ 6 bilhões. E a seca em quase todo o território nacional, seguida de queimadas, cuja fumaça tornou o ar irrespirável nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil nos últimos quatro meses, é cada vez mais frequente e igualmente intensa.

Cientistas já enviaram o alerta de que o verão de 2025 promete ser dos mais quentes dos últimos anos, mesmo com o fenômeno climático La Niña, que, historicamente, resfria a temperatura do Oceano Pacífico, arrefecendo o clima na América do Sul. Desta vez, porém, ele ocorre após uma sucessão de anos em que a temperatura média do planeta tem oscilado em torno de 1,5ºC – a meta do Acordo de Paris – e paralelamente a um Oceano Atlântico mais quente. Podemos esperar por novos impactos na agricultura – como já aconteceu com o atraso na semeadura da safra de verão das lavouras temporárias – e alta do custo de alimentos. Deslizamentos de encostas e impactos severos para as pessoas também são bastante prováveis.

A boa notícia é que sabemos o caminho. Muita coisa está acontecendo e podemos fazer muito mais para a transição ou transformação ecológica. Por exemplo: governos têm feito investimentos na criação e na melhoria de políticas públicas para atrair o setor privado a buscar soluções baseadas na natureza e agricultura de baixo carbono ou agricultura regenerativa. Nunca houve tantos recursos aplicados em iniciativas de restauração e reflorestamento para atender ao mercado de carbono, assim como investimentos em sistemas agroflorestais e silvicultura de espécies nativas como parte do portfólio dos vários investidores (por exemplo, fundos de pensão, investidores de impacto, etc.).

A COP-16, Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, por exemplo, reconheceu a relação entre o clima e a biodiversidade, destacando a necessidade de buscar soluções com benefícios mútuos. A conferência também valorizou o papel dos povos afrodescendentes, sua contribuição e participação na conservação da biodiversidade, assim como dos povos indígenas e das comunidades locais.

O G-20, por sua vez, resultou na declaração final dos líderes que destacou a urgência de reverter o desmatamento com o aumento do financiamento climático e apoio direto a esses povos, além do fortalecimento da bioeconomia, da colaboração global para proteger os oceanos e de uma transição econômica que valorize a proteção ambiental. A liderança do Brasil foi reconhecida com a criação do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), ferramenta para a conservação das florestas.

Já a COP-29, Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, decepcionou com os acordos de financiamento alcançados, muito aquém das necessidades dos países em desenvolvimento, em especial na meta de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, que é insuficiente em velocidade ou escala. A proposta de US$ 300 bilhões por ano prometida pelos países desenvolvidos para os em desenvolvimento está distante da real necessidade do clima.

A COP-30, portanto, a ser realizada em 2025, em Belém (PA), vai exigir o mesmo comprometimento que levou ao histórico Acordo de Paris em 2015 e muita diplomacia climática para avançar em todas as frentes.

Sem a natureza, mitigar os efeitos mais drásticos da crise do clima e frear a perda da biodiversidade é apenas um sonho. A comunidade científica concorda que temos até 2030 para reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa ou a humanidade enfrentará consequências severas. Portanto, conservar a natureza e restaurar parte do que foi perdido pode representar pelo menos 30% de todas as ações globais necessárias para estabilizar nosso clima.

Embora seja um caminho viável, as soluções baseadas na natureza – como conservar ecossistemas, manejar florestas e terras produtivas de forma sustentável e restaurar paisagens – recebem menos de 3% de todo o financiamento climático global. Mas essas ações são essenciais para, por exemplo, evitar o ponto de não retorno da Floresta Amazônica. Se ela ultrapassar o ponto a partir do qual não consegue se sustentar, as consequências sobre o clima podem ser ainda piores.

Além da mitigação, as soluções baseadas na natureza são fundamentais para a adaptação climática e têm potencial para criar 20 milhões de novos empregos no mundo. Esse potencial deve crescer à medida que novas demandas surgirem com o aumento da quantidade de projetos, assim como novas exigências e salvaguardas socioambientais, fundamentais para garantir controle e monitoramento que evitem impactos negativos indesejáveis na conservação da biodiversidade e nas comunidades locais.

Até a COP-30, o Brasil deve assumir um papel de líder global nas áreas ambiental e climática. Para isso, o governo brasileiro, a sociedade civil, as empresas, a academia, as comunidades locais e os povos originários precisam se articular para chegar à conferência com uma posição clara que defenda a natureza e propicie benefícios concretos para as pessoas.

Belém deve ser um marco na construção de soluções duradouras para a crise climática que integrem a natureza como parte da solução. O tempo é curto, mas a oportunidade é imensa – assim como nossa responsabilidade. A COP da Amazônia deve ser reconhecida como a COP da natureza, em que as partes se sentaram à mesa com disposição para buscar soluções para financiar e proteger nossos recursos naturais, bem como para criar condições para o desenvolvimento justo e sustentável do planeta.

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VICE-PRESIDENTE DA CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL (CI-BRASIL)

Opinião por Mauricio Bianco

Vice-presidente da Conservação Internacional (CI-Brasil)