Opinião | STJ define um novo marco no controle da litigância abusiva

Trata-se de um posicionamento que busca equilibrar o direito de acesso à justiça com a necessidade de evitar o abuso do sistema processual

Por Lucas Menezes

O julgamento do Tema Repetitivo 1198 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), concluído recentemente, representa um avanço significativo no combate à litigância abusiva, um problema crescente no Judiciário brasileiro. A decisão, que manteve em grande parte a tese defendida pelo relator, ministro Moura Ribeiro, reforça a necessidade da apresentação de documentos que fundamentem minimamente a ação, contribuindo para um processo judicial mais ético e eficiente.

A exigência de lastro probatório mínimo para a petição inicial é uma medida alinhada à sistemática processual brasileira, fundamental para evitar o uso indevido do sistema Judiciário. Esse entendimento não apenas fortalece a eticidade processual, mas também assegura a ampla defesa e o contraditório, na medida em que o juiz deve fundamentar suas decisões ao identificar elementos que indiquem a litigância abusiva. Em situações previstas na Resolução n.º 159 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, a tese permite que o magistrado determine a emenda da petição inicial, garantindo maior controle sobre a admissibilidade das demandas.

Entretanto, a tese aprovada apresenta um ponto problemático em sua parte final, ao mencionar que a medida deve ser aplicada “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”. Essa inclusão parece desnecessária e pode gerar interpretações equivocadas, uma vez que, na fase preliminar, não se discute o mérito da ação, mas sim a regularidade da petição inicial. A confusão entre a exigência de fundamentação mínima e a repartição do ônus probatório pode dificultar a correta aplicação da tese, criando insegurança jurídica em sua implementação.

Apesar dessa ressalva, a decisão do STJ representa um avanço relevante na qualificação da tutela jurisdicional, ao inibir o uso temerário do processo sem comprometer o direito de ação de quem possui uma pretensão legítima. A exigência de elementos mínimos para fundamentação da inicial reforça o dever de lealdade processual, desestimula condutas protelatórias e favorece a celeridade e a eficiência do Judiciário. Trata-se de um posicionamento que busca equilibrar o direito de acesso à justiça com a necessidade de evitar o abuso do sistema processual.

Contudo, esse entendimento, por si só, não é suficiente para erradicar a litigância abusiva. O enfrentamento desse problema exige um conjunto de medidas complementares, como a aplicação de sanções mais rigorosas e a modernização dos mecanismos de triagem processual. Ainda assim, a decisão do STJ estabelece um marco importante na construção de um Judiciário mais eficiente e comprometido com a boa-fé processual. Ao criar um filtro inicial para a admissibilidade de ações, o tribunal contribui para a redução do volume de demandas artificiais e fortalece o papel do magistrado na preservação da ordem e razoabilidade no processo judicial.

Além disso, a decisão pode servir como um estímulo para futuras reformas legislativas que aprimorem ainda mais os mecanismos de controle da litigância predatória. O Judiciário tem o papel de garantir o acesso à justiça, mas também de evitar que o direito de ação seja usado de forma abusiva para tumultuar o funcionamento dos tribunais.

Num cenário de sobrecarga do Judiciário brasileiro, medidas que reforcem a eficiência e a responsabilidade no uso do processo são fundamentais. A tese firmada pelo STJ, apesar de pontos discutíveis, representa um passo necessário para a construção de um sistema de justiça mais célere e equilibrado, beneficiando tanto os jurisdicionados quanto a própria administração da justiça.

Opinião por Lucas Menezes

Advogado

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