Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Especialização médica a distância

Cursos ‘lato sensu’, a maioria não presencial, atendem quem não consegue vaga em Residências

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB) sobre cursos de especialização lato sensu em Medicina acende um alerta sobre a formação desses profissionais. Embora o título de especialista em determinada área seja condicionado à realização de Residência Médica, há franco crescimento de especializações que prometem o que não podem cumprir.

Segundo o levantamento, são quase 2 mil cursos de especialização em Medicina, sobretudo em instituições particulares. Mas 41% deles, ou 800, são promovidos na modalidade de ensino a distância (EAD) e 11%, ou 216, na semipresencial. Menos da metade, ou 927 cursos, é presencial.

Essa formação alternativa se impõe por vários motivos. Um deles é que o número de vagas em Residências, que são reconhecidas pelas Sociedades Médicas das áreas, é inferior ao de médicos formados no País. Em 2022, formaram-se 25,5 mil médicos nas faculdades do Brasil afora, mas havia apenas 16 mil vagas em Residências. A esse fenômeno se deu o nome de “déficit de oportunidades”.

Se faltam oportunidades nas Residências, sobram nas especializações. Esses cursos são mais curtos e demandam menos recursos. Enquanto uma Residência exige a estrutura de um hospital de ensino, com a presença de preceptores e supervisores, com formação teórica e prática ao longo de até 2,8 mil horas, a serem concluídas entre dois e cinco anos, uma especialização pode ser realizada em 360 horas.

São múltiplas também as vantagens financeiras – não para os pacientes. O recém-formado em Medicina paga uma mensalidade ao mesmo tempo que pode ingressar no mercado de trabalho e receber bons vencimentos, fugindo da bolsa padrão de pouco mais de R$ 4 mil paga a um residente. Ao término, recebe o diploma da especialização, mas, na prática, não é especialista em nada.

Como há procura, há oferta. As instituições encontraram um novo filão de cursos, mais focados, supostamente, no mercado, embora a Lei do Mais Médicos, de 2013, vincule a abertura de graduações de Medicina à oferta de Residência Médica. Em que pese a expansão dos cursos na última década, parece que a letra da lei não tem surtido efeito.

Por isso, a cobrança da AMB por mais fiscalização se justifica diante dos apontamentos da pesquisa conduzida com a FMUSP. Cabe ao governo federal, por meio dos Ministérios da Educação e da Saúde, acompanhar a oferta desses cursos, cobrando que as faculdades que se engajam no mercado dos cursos de Medicina também atendam a demandas sociais, com a formação de especialistas de fato e de direito nas diversas áreas, como cardiologia, psiquiatria, dermatologia, pediatria e oncologia, entre outras.

Não menos importante, investimentos são necessários nas estruturas das Residências, e o valor da bolsa demanda incremento, haja vista que a contrapartida financeira é fundamental para atrair bons residentes. Assim, conciliam-se interesses de mercado e os interesses sociais. Sem médicos devidamente especializados e qualificados, é a população quem padece.