É grave a constatação da Ouvidoria da Polícia de São Paulo de que em 2017 houve excessos em 74% das ocorrências em que policiais mataram civis durante o que a Polícia qualifica como confrontos. A chamada letalidade policial continua a crescer – esse é o mais alto índice da série histórica iniciada em 2001 – e deve por isso merecer séria reflexão das autoridades. Ela compromete a credibilidade da Polícia, o que recomenda o reforço das medidas que já vêm sendo adotadas para resolver o problema.
A Ouvidoria, órgão independente que monitora as ações das Polícias Militar e Civil e recebe queixas dos que se sentem prejudicados por elas, analisou 639 ocorrências – do total de 940 registradas no ano passado –, que resultaram em 756 mortes de civis, com base em boletins de ocorrência e laudos técnicos produzidos nos locais dos fatos. A grande maioria das mortes, 93%, é atribuída a policiais militares. Como mostra reportagem do Estado, em 48% dos casos foram constatados excessos na legítima defesa.
Neles houve de fato confronto armado entre policiais e criminosos, mas indícios como disparos pelas costas e na cabeça apontam para emprego de força excessiva. A Ouvidoria afirma ter havido excesso também em 26% dos casos sem confronto armado, porque a vítima estava desarmada, portava arma falsa ou arma branca. Nos restantes 26% os agentes policiais se comportaram corretamente, sem uso inadequado da força. Esse quadro é agravado pelo fato de a elevada letalidade não poder ser atribuída à violência do crime organizado. No ano passado, houve apenas sete confrontos importantes com quadrilhas fortemente armadas. “Isso representa 1% do total. Na maioria das vezes, a Polícia estava mais bem armada do que as vítimas”, afirma o ouvidor Benedito Mariano.
É uma situação inaceitável, porque autocontrole, disciplina e treinamento para se manter dentro dos estritos limites legais são qualidades que se esperam em especial de policiais, porque são pessoas armadas pela sociedade para defendê-la. O emprego da violência em legítima defesa, e de acordo com as regras fixadas pela instituição a que pertencem, é algo excepcional na vida dos policiais. Seu papel é investigar e prender suspeitos ou criminosos em flagrante delito, não punir ou executar sumariamente quem quer que seja, como tudo indica que acontece em casos como os levantados pela Ouvidoria. Denunciar, julgar, condenar e punir, se for o caso, são funções que cabem ao Ministério Público e à Justiça.
A Ouvidoria recomenda ao governo do Estado a adoção de 14 medidas para melhorar a situação que seu trabalho expõe, entre elas reativar a Comissão Especial para a Redução da Letalidade; fortalecer o policiamento preventivo e comunitário; e difundir ainda mais o método de tiro defensivo para ao mesmo tempo proteger o policial e reduzir a letalidade, já adotado pelas duas Polícias desde 1998.
A Secretaria da Segurança Pública alega que tem adotado já faz algum tempo providências para reduzir a letalidade policial. Uma delas é a Resolução 40, de 2015, que estabelece os procedimentos a serem obedecidos em caso de “morte decorrente de intervenção policial estando ou não o agente em serviço”. Ela torna obrigatória a preservação, pelos primeiros policiais que atenderem a uma ocorrência desse tipo, do local até a chegada de um delegado.
O objetivo é evitar a alteração da cena do crime para eliminar provas capazes de incriminar policiais, pois suspeita-se que isso ocorria com relativa frequência. Outra providência é a comunicação imediata da ocorrência aos superiores dos policiais ali presentes e ao Ministério Público.
Os dados da Ouvidoria mostram claramente que o esforço da Secretaria para resolver o problema, apesar do acerto de medidas como as descritas, não tem dado os resultados desejados. O que se espera, portanto, é que esse esforço seja redobrado – com a estrita observância da Resolução 40, por exemplo – e acrescido das novas medidas sugeridas. Como está é que não pode ficar.