A diferença entre a capacidade de realização de um projeto de uma empresa privada e a de uma estatal é bem exemplificada pela extensão de duas ferrovias de importância estratégica para escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste do País. A empresa privada cumpre o cronograma e está interessada em obter o retorno, no mais breve prazo, de seus investimentos. Já a estatal, envolta em problemas político-administrativos, que se refletem em sua gestão, adiou obras essenciais, deixando de atender às necessidades de escoamento mais econômico da produção da mais próspera região agropecuária do País.Este é o contraste que se verifica entre a Ferronorte, controlada pela América Latina Logística (ALL), e a estatal Valec, encarregada da Estrada de Ferro Norte-Sul. No último dia 2, a Ferronorte entregou os primeiros 120 km da ligação entre Alto Araguaia e Rondonópolis (MT), no trecho que chega até Itaqueri (MT), prevendo a direção da empresa a ligação de mais de 140 km até Rondonópolis, até o fim do ano, facilitando o transporte de grãos até o Porto de Santos.Já na Ferrovia Norte-Sul, entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), a cargo da Valec, as obras estão completamente paralisadas porque venceram os contratos com as empreiteiras, devendo ser realizada uma nova licitação ou uma contratação de emergência para a sua conclusão. O ex-presidente Lula disse duas vezes que pretendia inaugurar esse trecho de 855 km, que constitui o grande elo que permitiria à Norte-Sul, partindo de Palmas, entroncar-se com a Estrada de Ferro Carajás em Açailândia (MA), indo daí até o Porto do Itaqui, no Maranhão. A presidente Dilma Rousseff chegou a anunciar que a obra ficaria pronta em julho, mas vai ter que esperar até 2013, pelo menos.Convém notar que ambos os projetos estão incluídos no PAC, mas foram tocados por processos bem diversos. Contando com financiamento do BNDES como parte de um investimento total de R$ 700 milhões, a Ferronorte atrai clientes, oferecendo um frete para transportes de grãos 30% mais barato que o transporte por caminhões. Segundo Eduardo Pelleissone, que assumirá a presidência da empresa em 1.º de julho, a ALL pretende obter maiores ganhos de produtividade nas linhas de sua concessão (Estado, 3/6).Os mesmos objetivos poderiam ser alcançados com a conclusão pela Valec do trecho de Palmas a Anápolis, dando aos produtores a opção de usar o Porto do Itaqui, no Maranhão. Com a não conclusão desse trecho vital, "continuaremos pagando R$ 2 a mais por saca de soja para levar o produto de caminhão até Anápolis para de lá ir para o Sul", disse o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Uruaçu (GO), Alarico Júnior. "De trem até o Maranhão seria 40% mais barato", segundo ele, e o trajeto até os mercados asiáticos seria mais curto. A Confederação Nacional da Agricultura calcula que o custo do frete do País para a Ásia acaba sendo 300% maior que o de produtos originários dos EUA e da Argentina.Os prejuízos ao longo das rotas hoje usadas são também consideráveis. Sabe-se, por exemplo, que o transporte por caminhões em estradas péssimas, como a Belém-Brasília (BR-80), ocasionam perdas de até 12% das cargas. Estudo da própria Valec estima que, sem a Norte-Sul em pleno funcionamento, o País perde R$ 12 bilhões por ano entre cargas não transportadas, tributos não arrecadados, perdas ao longo do caminho com o uso de caminhões, etc. O fato é que, com a crise no Ministério dos Transportes, no ano passado, quando foram substituídos o titular da pasta e a direção do Dnit e da Valec, foi interrompido o fluxo de investimentos. Isso teve naturalmente influência, mas, mesmo que o trecho Palmas-Anápolis tivesse sido concluído, ficariam faltando quatro pátios para embarque de carga, que nem sequer foram iniciados. Esta situação também contrasta com a da Ferronorte, que se antecipou à demanda e já está instalando complexo intermodal de transporte em Rondonópolis. A Ferrovia Norte-Sul é mais uma evidência clara das deficiências da gestão pública.