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O jornalista Fernando Gabeira escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Alguns cenários pós-Bolsonaro

Se a vitória não foi possível com um líder carismático usando sem cerimônia todo o aparato do Estado, ela se torna mais difícil caso a direita não encontre o novo modelo

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A maioria dos observadores acha que Jair Bolsonaro ficará inelegível. Ele acha isso também, logo, é o momento de analisar as consequências de sua saída da cena eleitoral.

Devem ser consequências muito amplas, que transcendem à própria reorganização da direita e repercutem inclusive nos adversários.

A primeira hipótese, mais óbvia, é a que trata da sucessão de Bolsonaro. Qual a linha a ser escolhida? Seria uma sucessão baseada no sangue com um nome familiar ou tenderá a se fixar em políticos com experiência administrativa?

A tendência, a julgar por algumas pesquisas entre os bolsonaristas, é a da escolha de nomes que já passaram pelo crivo das eleições estaduais e pelas dificuldades de gerir a máquina pública.

A segunda pergunta vai aumentando o nível de complexidade. O bolsonarismo continuará sendo uma força hegemônica na direita ou tende a se integrar num bloco maior?

Com a radicalização dos últimos anos, e sobretudo com a força das redes sociais, é possível dizer que um fator presente no processo de redemocratização já não existe mais: o confronto entre PT e PSDB conduzia os eleitores de direita e uma escolha moderada demais para seu gosto atual.

A guerra de memes e a ampla luta cultural nas redes continuarão a impulsionar o confronto com a esquerda. Mas, certamente, a saída de Bolsonaro implicará mudanças.

No debate político mais clássico, é possível que seja cobrada uma posição distinta à de Bolsonaro quanto ao papel do Estado. Existe uma crítica de que, apesar da escolha de Paulo Guedes, Bolsonaro não se distanciou muito na redução do papel do Estado.

Nesse sentido, sem um líder carismático, é possível que se exija da alternativa política à direita uma guinada mais liberal do que a vivida em 2018.

Há outros temas que aparentemente dizem respeito à personalidade de Bolsonaro. A agressividade é um deles. Ocorre que tanto Bolsonaro como Donald Trump são, também, frutos de um processo virtual com certas características: a franqueza é cultuada e a grosseria se tornou banal.

É muito difícil de comparar as duas experiências, mas o movimento que se desenvolveu nos Estados Unidos, sobretudo em reação ao Occupy Wall Street, em 2011, ganhou sua força na internet precisamente agredindo e humilhando adversários.

As primeiras vítimas foram mulheres, profissionais que analisavam os games e passaram a ser vistas como inimigas. O racismo, por sua vez, tornou-se mais áspero durante os oito anos de Barack Obama. Havia uma agressividade que combinava racismo e antifeminismo e acabou chegando ao auge quando se lançou Hillary Clinton como candidata. Tudo isso convergiu para a candidatura de Trump, que, de certa maneira, procurou encarná-la.

Bolsonaro intuitivamente fez do feminismo seu grande adversário. Insultou deputadas, atacou jovens repórteres. De certa maneira, seu instinto o levava a uma defesa do mundo patriarcal que parecia em perigo. Com isso, arrastava a simpatia de centenas de homens que também se sentem ameaçados com os novos tempos. Uma realidade bem nítida nos Estados Unidos, onde existem até hoje coletivos de celibatários involuntários, os Incels, alinhados com a extrema direita.

Esse modelo político num país onde as mulheres são maioria deve sofrer uma revisão, ainda que moderada, caso a direita leve em conta o resultado das eleições.

Outro fator que aproxima a experiência da extrema direita brasileira da americana é a negação do aquecimento global, descartando as evidências científicas e atribuindo-o a uma ideologia globalista.

A grande riqueza brasileira são seus recursos naturais, sua preservação e sua exploração sustentável são, para muitos, nossa grande saída estratégica.

Não é um destino da direita a defesa da destruição do meio ambiente. Na Inglaterra, ela tem uma política ecológica e há um debate sobre o tema entre intelectuais conservadores.

Neste caso, a alternativa a Bolsonaro tem uma pequena margem de manobra, pois sua base, sobretudo produtores rurais, ainda resiste não só à pressão internacional, como às evidências do desastre climático que pode ameaçar seriamente seu negócio.

De qualquer forma, a ausência de Bolsonaro empurra a direita para mudanças contraditórias. Se avançar para uma versão mais moderada, pode se afastar da base que se formou nos confrontos radicais das redes sociais. Por outro lado, se mantiver a fidelidade a todos os preconceitos que Bolsonaro expressa abertamente, pode se arriscar a perder espaço.

Se a vitória não foi possível com um líder carismático usando sem cerimônia todo o aparato do Estado, ela se torna mais difícil caso não se encontre o novo modelo.

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Opinião por Fernando Gabeira

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