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O jornalista Fernando Gabeira escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Um país em busca do horizonte

A forma mais prática de desejar um bom ano novo é com uma ampla proposta de como explorar nossos horizontes nos próximos quatro anos

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A melhor maneira de um país aproveitar o ano novo é explorar seu horizonte de possibilidades. Dito assim, é muito abstrato. Segundo Yuval Harari, no seu livro Sapiens, horizonte de possibilidades significa o espectro de crenças, práticas e experiências que se apresentam diante de determinada sociedade, considerando suas limitações ecológicas, tecnológicas e culturais.

Uma sociedade, ou mesmo um indivíduo, nunca explora totalmente seu horizonte de possibilidades. Mas, diante de um novo ano, é razoável tentar realizar o máximo.

As chamadas limitações ecológicas, no caso brasileiro, são um ponto decisivo no seu horizonte de possibilidades. Depois da destruidora política ambiental do governo Bolsonaro, Lula fez um discurso animador em Sharm el-Sheikh, no Egito.

O novo governo promete conter o desmatamento na Amazônia, expulsar garimpeiros das terras indígenas, fortalecer a exploração sustentável e abrir-se para a cooperação internacional.

Se levadas a cabo, essas decisões terão um papel econômico. A retenção do carbono na floresta pode render dividendos, o fim do garimpo ilegal deve reduzir os problemas de saúde provocados pelo mercúrio e o combate ao desmatamento pode garantir um regime de chuvas regular para nossa agricultura.

O replantio da floresta destruída tem possibilidades de abrir milhares de postos de trabalho. Mas seria limitado pensar a economia verde apenas nos termos da floresta. A transição energética para a produção de energia eólica e solar é outro caminho promissor.

Na verdade, a simples expressão economia verde já é limitada. Há toda uma economia azul que pode ser explorada ao longo de nosso costa. Tenho visto experiências vitoriosas de criação de moluscos como vieiras e coleta de algas que servem para sabão e protetores solares. A própria Marinha do Brasil já produziu uma coletânea intitulada A Economia Azul, que pode ser uma referência.

Uma das nossas limitações infraestruturais é a dificuldade de acesso à internet. Já foi prometida uma bolsa para facilitar a inclusão. Mas é preciso torná-la mais fácil, eficaz e barata. As chances de aumentar a renda das pessoas são muito maiores quando estão conectadas.

Esses dois pilares – economia verde no sentido mais amplo e inclusão digital – são instrumentos para que exploremos melhor nosso horizonte de possibilidades.

Temos limitações culturais e políticas, que podem ser atenuadas. As culturais são muito amplas e difusas para tratar aqui – além do mais, não se resolvem facilmente no espaço de um ano.

No trabalho cotidiano, costuma-se acentuá-las. Durante a Copa do Mundo, todos acharam normal que o Brasil vencesse a Coreia por 4 a 0 no primeiro tempo e, no segundo tempo, simplesmente tenha parado de jogar. Achei que havia algo a discutir neste silêncio da crítica.

Da mesma forma, o fato de encerrarmos o ano sem saber direito como será o Orçamento, muito menos qual a composição do novo ministério, revela, ligeiramente, nossas dificuldades de planejar.

No campo político, entretanto, a superação do ódio será um grande passo na busca do horizonte de possibilidades. As chances de um debate mais tranquilo sobre o destino do País são importantes, porque ninguém detém a verdade. Meu querido Ferreira Gullar dizia que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Também os argumentos políticos, eventuais divergências, não foram feitos para estigmatizar ninguém.

O primeiro passo para a superação do abismo que criamos será um diálogo entre governo e oposição, diferente dos moldes que nos levaram a uma polarização maniqueísta.

Esse diálogo precisa ser ampliado com a sociedade. O universo político de Brasília é muito autocentrado. É preciso que se abra, antes que o abismo cresça demais e ele próprio caminhe compulsivamente para seu suicídio.

Mudando um pouco o comportamento das elites políticas, será possível tratar de problemas novos e complexos: a ira nas redes sociais, o tsunami de fake news.

Gostaria de ter a saída imediata para isso. Mas mentiria. A simples ideia de intervir de cima para baixo parece, no mínimo, ineficaz.

É preciso estudar a experiência internacional, aprender com a observação das redes e, inclusive, reformular o ensino para que as crianças, ao crescerem, tenham a mínima chance de questionar uma notícia falsa, de perceber quando são manipuladas por meio de números.

Esse é apenas um programa mínimo para explorar nosso horizonte de possibilidades. Já está dito que nunca o conseguimos completamente, no nível social ou mesmo no individual.

Não se sabe ainda qual será em toda a sua extensão o programa do novo governo. Certamente, quando vier à tona, será uma ampla proposta de como explorar nossos horizontes nos próximos quatro anos.

Isso me parece a forma mais prática de desejar um bom ano novo. Simplesmente, como às vezes fazemos em nossa vida particular, listar as principais medidas, explorar as qualidades, reduzir pontos vulneráveis, enfim, começar, finalmente, a cuidar de um país que esteve à deriva ao longo de quatro anos. Vivemos uma falta de horizonte, e isso corresponde à definição técnica do naufrágio.

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JORNALISTA

Opinião por Fernando Gabeira

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