O cenário de incertezas globais prenunciado pelo segundo mandato de Donald Trump na presidência dos EUA impõe desafios a todo o mundo. Mas, para o bem ou para o mal, a América Latina não está entre suas prioridades geopolíticas. Suas políticas econômicas criam riscos aos emergentes em geral. Para o Brasil, em particular, não será diferente, mas o impacto tende a ser comparativamente moderado e pode até vir acompanhado de oportunidades. O maior desafio é doméstico: evitar que vulnerabilidades econômicas e voluntarismos políticos potencializem esses riscos e desperdicem essas oportunidades.
A guerra comercial com a China e as políticas protecionistas devem desacelerar a globalização comercial. Mas os EUA já exportam para o Brasil mais do que importam, e o maior dano que Trump poderia causar ao País já aconteceu em seu primeiro mandato, com as taxas de importação sobre produtos siderúrgicos. À época, as disputas com a China levaram a um aumento das exportações do Brasil, em especial do agro, o que deve acontecer novamente. Os impactos de políticas protecionistas mais agressivas sobre tradicionais parceiros dos EUA, como Canadá, México e Europa também podem favorecer colateralmente negociações com o Mercosul e o Brasil. O País pode inclusive ser uma alternativa de investimentos para empresas americanas.
Esse cenário só reforça a necessidade de uma agenda de modernização econômica que antecede a eleição de Trump, como a diversificação de exportações, melhorias no ambiente de negócios e na governança pública, redução do “custo Brasil”, mais incentivo à participação de investimentos privados e, sobretudo, equilíbrio fiscal. A perspectiva global de um dólar forte, juros altos e pressões inflacionárias impõe adversidades a todo o mundo, mas o desequilíbrio fiscal no Brasil imporá custos especialmente altos sobre a política monetária e o apetite dos investidores.
O Brasil receberá a Cúpula do Clima da ONU em 2025. Com Trump, a desidratação da agenda multilateral climática já está contratada, mas isso não reverterá a trajetória mundial rumo à transição energética, e o Brasil possui minerais críticos que interessam a todo o mundo, inclusive a empresas americanas.
Outra zona de potencial atrito em 2025 é a presidência do Brasil no Brics. Como se sabe, China e Rússia manobram para transformar o bloco de um grupo de grandes emergentes em um clube autocrático antiocidental. O governo Trump pode ser um pretexto conveniente para o Brasil jogar água na fervura e voltar a focar em questões econômicas, aproximando-se de outros países que buscam uma política de não alinhamento, como Índia ou Arábia Saudita. É também uma oportunidade para ampliar a distância das autocracias latino-americanas.
Tudo isso exigirá doses extras de sangue-frio e pragmatismo por parte do Planalto. Assim como as afinidades pessoais e ideológicas com Jair Bolsonaro não trouxeram grandes vantagens ao Brasil no primeiro mandato de Trump, as antipatias mútuas entre ele e Lula não precisam acarretar maiores prejuízos. Lula já derrapou feio antes das eleições, anunciando sua preferência pela democrata Kamala Harris e associando um governo Trump à volta do “fascismo”. Espera-se que esse estoque de gafes e provocações irresponsáveis já tenha sido queimado.
“Da nossa parte, não queremos briga nem com a Venezuela, nem com os americanos, nem com a China, nem com a Índia, nem com a Rússia. Nós queremos paz, harmonia, ter uma relação onde a diplomacia seja a coisa mais importante e não a desavença”, disse Lula no dia da posse de Trump, afirmando que torce para que o republicano faça uma “gestão profícua, para que o povo americano melhore”. Do mesmo modo, o povo brasileiro espera uma diplomacia profícua. Nem sempre foi assim nas gestões petistas, ao contrário. Mas o Itamaraty tem quadros competentes e profissionais. Bem fará o presidente se deixar que eles lubrifiquem o mecanismo institucional e diplomático com os EUA, e se concentre em sanar as vulnerabilidades econômicas internas que podem dificultar a navegação do Brasil no mar revolto à frente.