A Constituição estabelece os direitos e as liberdades fundamentais, mas isso não assegura, por si só, que todo o funcionamento do aparato estatal esteja alinhado com esses direitos e liberdades. É tarefa do Congresso detectar eventuais falhas e carências, corrigindo-as por meio de uma adequada regulamentação. Exemplo recente foi a aprovação na Câmara do Projeto de Lei (PL) 3.453/21, que determina, em caso de empate de votos, a adoção da decisão mais favorável ao réu nos julgamentos envolvendo matéria penal ou processual penal. O projeto será agora analisado pelo Senado.
Trata-se de uma norma civilizatória fundamental, consequência direta dos princípios da presunção da inocência e da dignidade da pessoa humana diante da ação do Estado: in dubio pro reo. Na dúvida, deve prevalecer a posição mais favorável ao réu.
A rigor, o PL 3.453/21 é um tema óbvio, que não deveria suscitar questionamentos e, menos ainda, polêmicas. Havendo empate, as decisões judiciais devem favorecer a pessoa, e não o poder estatal. Em 1841, o Código de Processo Criminal do Império já estabelecia: “No caso do empate se adotará a opinião mais favorável ao acusado”.
Nos estranhos tempos atuais, no entanto, há quem pretenda desautorizar o princípio in dubio pro reo, como se, em caso de dúvida, a punição devesse prevalecer. Foi o que ocorreu em 2021, com o Supremo Tribunal Federal (STF) determinando que o benefício em favor do acusado deveria valer apenas em julgamentos de habeas corpus. Agora, com o PL 3.453/21, a Câmara faz o que tanto tem se pedido ao Legislativo nos dias de hoje: cumprindo sua tarefa constitucional, fixa a devida regulamentação do tema, corrigindo lacunas que poderiam suscitar indevidas criatividades do Judiciário.
Em outra importante defesa das liberdades individuais e do devido processo legal, o PL 3.453/21 estabelece que toda autoridade judicial pode, no âmbito de sua competência, conceder de ofício habeas corpus. Se o juiz detecta, dentro da esfera de suas atribuições, a existência de uma prisão ilegal ou a ocorrência de abuso de poder que ameace a liberdade de alguém, ele não precisa ser acionado por ninguém para interromper essa ilegalidade. Tal autorização representa evidente aperfeiçoamento do sistema de Justiça penal, em favor da liberdade e da legalidade.
No entanto, apesar de todos esses avanços, houve quem tenha visto no PL 3.453/21 uma ação para “livrar políticos corruptos”. Ora, se a polícia e o Ministério Público cumprem seu trabalho, não há nenhum risco de empate nos casos de corrupção. A Justiça condena e pronto. O que não cabe, num Estado Democrático de Direito, é ter condenações sem provas, com teses de acusação incapazes sequer de convencer a maioria dos juízes.
Além de ser estímulo para que todos os envolvidos no sistema de Justiça penal trabalhem melhor, o PL 3.453/21 evita que inocentes sejam condenados. Esse é o erro judicial mais odioso, pela injustiça em si e por deixar impune o verdadeiro culpado. Não basta punir, é preciso punir corretamente.