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O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|É preciso retomar os investimentos públicos

É bom para o País que as novas regras fiscais não impeçam a retomada dos investimentos em infraestrutura

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A infraestrutura do setor público brasileiro enfrenta uma situação catastrófica, apresentando forte deterioração dos ativos sob gestão do Estado. Os investimentos públicos realizados pelo governo federal atingem pisos históricos, não sendo suficientes nem mesmo para cobrir a depreciação dos ativos. Nesse contexto, lideranças políticas dos Poderes Executivo e Legislativo devem atuar de forma coordenada para promover uma agenda fiscal favorável à realização de investimentos na formação bruta de capital fixo do Estado.

Para começar, é preciso ter claro que infraestrutura é um setor reconhecido como dos mais importantes para a retomada do crescimento econômico de um país. Em estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) – intitulado Investimento público para a recuperação –, a importância do investimento público ganha destaque como fator essencial para o dinamismo das economias. Os analistas do FMI demonstram resultados instigantes. Por exemplo, o aumento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do investimento público pode elevar a confiança na recuperação e reforçar o PIB em 2,7%, o investimento privado, em 10%, e o emprego, em 1,2%. Em outras palavras: gasto público em infraestrutura gera emprego e renda.

Sabe-se que o Brasil enfrenta gargalos importantes na área da infraestrutura. A preços constantes, os investimentos públicos e privados realizados em 2014 somaram R$ 81,8 bilhões e R$ 125,7 bilhões, respectivamente. Foram aplicados R$ 207,5 bilhões no setor de infraestrutura. No ano de 2021, o setor público investiu somente R$ 29 bilhões – o menor valor da série histórica –, enquanto o setor privado aplicou R$ 119,2 bilhões. Ou seja, o investimento total somou R$ 148,2 bilhões, o que representa uma queda de quase 30% em relação ao número de 2014.

Para ter-se uma ideia do que esses valores representam, a Alemanha iniciou recentemente um plano de investimentos públicos de 86,2 bilhões de euros – ou R$ 480 bilhões – ao longo de dez anos, com objetivo de modernizar a malha ferroviária. Ou seja, o governo alemão pretende investir por ano, em um único segmento do modal de transportes, muito mais do que o setor público brasileiro aplicou em todo o setor de infraestrutura em 2021. A necessidade de ampliar o parque ferroviário brasileiro foi um dos motivos que me inspiraram a apresentar o projeto de lei que deu origem ao atual marco jurídico das autorizações no setor ferroviário.

Segundo projeções da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), os investimentos em infraestrutura no Brasil deveriam atingir 4,3% do PIB nos próximos dez anos para o País reduzir gargalos ao desenvolvimento econômico e social. Isso corresponde a algo em torno de R$ 430 bilhões, isto é, o dobro do que se investiu em 2014.

Nota-se que o setor de transportes e logística é um dos que mais sofrem com a falta de recursos, apresentando grande defasagem em relação ao que é necessário investir. Estima-se uma necessidade de investimentos anuais de 2,26% do PIB no setor, mas o volume investido atingiu somente 0,35% em 2021. O desafio é ainda maior quando se considera a baixa qualidade das estradas: dois terços das rodovias sob gestão pública apresentam péssimo estado de conservação, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).

Para reverter esse quadro, lideranças políticas do Executivo e do Legislativo precisam promover uma agenda capaz de impulsionar os investimentos públicos no setor de infraestrutura. A Emenda Constitucional (EC) n.º 126, aprovada no final do ano passado com o apelido de “PEC da Transição”, representou um primeiro passo nesse sentido. Ao introduzir mudanças no teto de gastos constitucional, a emenda ampliou em R$ 145 bilhões o espaço fiscal para novos gastos no Orçamento deste ano, permitindo a recomposição do orçamento de diversos ministérios, inclusive aqueles que fazem a gestão dos investimentos em infraestrutura.

O atual ministro dos Transportes, o senador eleito Renan Filho, apresentou na semana passada um plano de investimentos para os próximos cem dias, com transparência e objetividade. Na ocasião, detalhou o planejamento dos investimentos que serão realizados no setor de rodovias e ferrovias, destacando obras estruturantes que poderão ampliar a capacidade de escoamento da produção agrícola.

O principal desafio da equipe econômica – Ministérios da Fazenda e do Planejamento – é manter as contas públicas em equilíbrio para sinalizar que esses investimentos em infraestrutura serão realizados em um ambiente fiscalmente responsável. A grande questão a ser discutida será a nova âncora fiscal de médio e longo prazo que irá substituir o teto de gastos, dado que a EC 126 prevê um novo regime fiscal a ser regulamentado por meio de lei complementar.

Esse novo arcabouço fiscal precisa tratar os investimentos públicos de forma diferenciada, sem perder de vista a importância do controle dos gastos correntes. É bom para o País que as novas regras fiscais não impeçam a necessária retomada dos investimentos do governo federal em infraestrutura.

Opinião por José Serra

Economista

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