Desde que a Lei de Cotas entrou em vigor, em 2012, as 63 universidades federais sofreram fortes mudanças, a ponto de oferecerem hoje mais vagas na graduação pelo sistema de políticas de ação afirmativa do que pela forma tradicional de concorrência, com base no princípio do mérito. Nos vestibulares de 2016, as federais ofereceram 114,5 mil vagas reservadas (51,7%) – ante 113 mil ofertadas pelo sistema de disputa livre (48,3%). Em 2013, a proporção destinada a cotas foi de 33,4% do total de vagas. A expectativa dessas instituições é de que o número de cotistas continue aumentando até 2022, ano em que está prevista uma revisão da lei.
Pela Lei de Cotas, 50% das matrículas nas universidades federais são reservadas a alunos oriundos da rede pública de ensino médio. Ela também prevê que as vagas reservadas às cotas sejam subdivididas – metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, as federais têm de levar em conta porcentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas em cada Estado, de acordo com o Censo Demográfico. A lei determinou ainda que o sistema de cotas estivesse implantado até 2016, sob fiscalização de um comitê integrado por representantes do Ministério da Educação, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, da Fundação Nacional do Índio e da sociedade civil.
Apesar de ter aumentado em larga escala o número de cotistas nas universidades federais, nestes quatro anos, a Lei de Cotas continua sendo objeto de acirradas polêmicas nos meios universitários. Seus defensores alegam que ela cumpriu a função para a qual foi criada, ou seja, a de promover a inclusão social de jovens oriundos de famílias de baixa renda. “Uma universidade mais com a cara do Brasil, representada por negros e pessoas de baixa renda, ajuda a formar uma elite mais consciente”, afirma o professor André Lázaro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Já os críticos do sistema de cotas argumentam que, por desprezar o princípio do mérito, acolhendo estudantes que não tiveram o devido preparo no ensino básico, a Lei de Cotas comprometeu a qualidade de ensino e pesquisa na universidade pública. “As cotas não são nenhuma receita para fazer uma universidade de excelência. As universidades servem para preparar pessoas capazes de enfrentar os problemas do País. Portanto, pessoas que tenham conhecimento científico e tecnológico necessário. As cotas são paliativos”, diz José Goldemberg, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e ex-reitor da USP. “As cotas mascararam a má qualidade da educação básica. A política de cotas faz de conta que o problema da educação básica está resolvido só com a garantia de acesso ao ensino superior. Mas, na universidade, já é tarde para recuperar anos de má formação básica”, afirma Leandro Tessler, ex-coordenador do vestibular da Unicamp.
Quando a Lei de Cotas entrou em vigor, o debate girava em torno da política de entrada, ou seja, dos critérios de seleção dos alunos das universidades federais. Apesar de continuar acirrado, o debate agora gira em torno das políticas de permanência, ou seja, das condições que os cotistas precisam ter não só para acompanhar aulas de graduação, mas também para fazer pesquisa. Com a atenção voltada à revisão da Lei de Cotas e temendo pressões políticas para que as cotas sejam estendidas à pós-graduação, o que pode comprometer o que o sistema de ensino superior público tem de melhor, muitos pedagogos recomendam que a lei não seja alterada antes que se faça uma avaliação do impacto dessa política sobre as novas gerações. No atual clima político, essa parece ser a alternativa mais sensata, na medida em que permitirá que os debates em torno da revisão da lei sejam travados a partir de números concretos, e não com base em discursos ideológicos.