É lamentável ver um presidente da República que ocupa o terceiro mandato presidencial destilando revanchismo, miopia ideológica e ignorância. Desde que assumiu a Presidência da República, Lula não fez nenhum gesto de reconciliação nacional para cicatrizar as feridas de um país dilacerado pelo radicalismo político. Ao contrário, continuou polarizando com Bolsonaro, alardeou o desejo de se vingar do senador Sergio Moro por tê-lo condenado por crime de corrupção e buscou seguir o roteiro dos ditadores – como Stalin –, revisando os fatos para transformar o maior escândalo de corrupção da História numa narrativa de perseguição injusta de uma vítima inocente.
Para não cair no esquecimento o esquema perverso e imoral desvendado pela Lava Jato, sugiro a leitura do livro da jornalista Malu Gaspar A Organização. Mas compre logo o seu exemplar, antes que o projeto das fake news seja aprovado e o governo confisque a obra por considerá-la mentirosa e antidemocrática.
A miopia ideológica do presidente transformou Lula no líder do retrocesso. Atacou a autonomia do Banco Central para ocultar a sua decisão obscena de aprovar a PEC da Transição, que aumentou o rombo das contas públicas em mais de R$ 200 bilhões, e apresentou um arcabouço fiscal frouxo e dependente de um aumento brutal da arrecadação, ignorando a necessidade imperiosa de cortar gastos de um Estado caro e ineficiente. Buscou destruir a Lei das Estatais, que moralizou a indicação de conselheiros justamente para combater o aparelhamento político das estatais da era PT. Lula tampouco se envergonhou de paralisar a reforma do ensino médio para proteger o nefasto corporativismo da educação, em detrimento da tarefa urgente de melhorar a qualidade do aprendizado dos jovens e prepará-los para o mercado de trabalho. O presidente também envergonhou a diplomacia brasileira defendendo a ditadura de Daniel Ortega e recusando-se a condenar a invasão da Ucrânia, alinhando-se à Rússia.
No âmbito econômico, o retrocesso é assustador. Voltou a velha e falida intervenção do Estado, que condena o País à mais longa estagnação econômica. O governo ressuscitou a intervenção na política de preço da Petrobras, por achar que o preço de mercado (preço de paridade de importação) é um indicador absurdo. Sabotou o marco do saneamento básico, promulgando um decreto que criou reserva de mercado para empresas estatais e anulou a saudável competição econômica para priorizar o investimento privado e resolver uma dívida social com 100 milhões de brasileiros que não têm acesso ao esgoto tratado. O presidente anunciou que vai frear a privatização dos Correios e da Telebras, contra todas as evidências de que essas empresas primam pela ineficiência administrativa, drenam dinheiro dos cofres públicos e prestam serviço público de péssima qualidade. Lula permaneceu mudo sobre a volta das invasões de terras e de propriedade privada num país onde o agronegócio é o único setor da economia que apresenta crescimento robusto e capacidade de competir no mercado internacional.
Mas o aspecto mais preocupante desses 100 dias de governo é a ignorância que reina no Palácio do Planalto. É imperdoável um presidente que ocupa a Presidência da República pela terceira vez não ter aprendido lições elementares, como a importância da responsabilidade fiscal para cumprir as obrigações sociais e dirimir as incertezas do mercado em relação à solvência do País. É inconcebível um presidente que ainda não aprendeu que brigar com o mercado, desrespeitar a propriedade privada e criar instabilidade das regras e marcos regulatórios só servem para afugentar investimento privado, perpetuar a estagnação econômica e criar menos emprego no País. É insano um chefe de Estado que acredita que, ao fomentar a polarização política, defender o corporativismo estatal e ignorar as reformas inadiáveis, o Brasil vai voltar a crescer e prosperar.
Lula está numa encruzilhada. Se pretende salvar a sua biografia, terá de se livrar dos sanguessugas que o cercam e começar a governar para o Brasil. Além da aprovação da reforma tributária e da abertura da economia, a retomada do crescimento requer um plano para aproveitar o enorme potencial ambiental do País para atrair investimento privado e gerar riqueza na era da economia de baixo carbono.
A dívida social só será paga com a universalização do saneamento, o aumento de parcerias público-privadas na saúde e determinação de criar uma educação pública de qualidade, focada no aprendizado do aluno, na formação de professores, no ensino de tempo integral e nos cursos técnico e profissionalizante.
A administração pública só vai melhorar quando aprovarmos uma reforma administrativa que valorize o desempenho dos bons servidores, reduza as despesas públicas, enfrente o engessamento dos gastos obrigatórios e priorize a eficiência do gasto público.
Se Lula continuar ignorando essa agenda prioritária, o Brasil poderá enfrentar a mais grave convulsão política, econômica e social de sua história. A paciência do povo está no limite.
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CIENTISTA POLÍTICO, AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO BRASIL QUE SOMOS PARA O PAÍS DE QUEREMOS’, FOI CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
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