Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Lula ganha a primeira

Ainda sem a caneta presidencial, mas já de olho na formação de sua base, petista mostra poder de articulação ao fazer avançar sua proposta de aumento de gastos sem grandes concessões

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado foi o primeiro teste político a que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido. Ainda que haja muitas fases de votação até a promulgação do texto, na etapa inaugural, o petista passou. A proposta original de sua equipe permitia a expansão de quase R$ 200 bilhões em gastos no Orçamento de 2023 e retirava as despesas do Bolsa Família do teto por quatro anos. Até o momento, financeiramente Lula perdeu pouco e, politicamente, ganhou muito, algo fundamental para sua governabilidade.

Na CCJ, Lula da Silva garantiu um aumento do teto de R$ 145 bilhões, que pode chegar a R$ 168,9 bilhões se houver receitas extraordinárias para financiar investimentos. Embora não tenha retirado o Bolsa Família do teto, o governo eleito assegurou um prazo de dois anos para a vigência da PEC, suficiente para atravessar as eleições municipais de 2024 sem ter de lidar com novos contratempos de ordem fiscal.

Na Câmara, há uma articulação para reduzir o valor aberto no Orçamento e também o prazo da PEC. Mas o fato de que o texto permite que o excesso de arrecadação deste ano ajude o governo Jair Bolsonaro a fechar as contas pode facilitar sua tramitação entre os deputados. Ademais, o Centrão tende a compor com qualquer governo, e o discurso pela aprovação da PEC atrelado a demandas sociais sempre encontra respaldo entre os parlamentares – ainda que os gastos dessas propostas sempre extrapolem tais preocupações.

Se a PEC estivesse restrita apenas ao Bolsa Família, Lula precisaria de um espaço no Orçamento de R$ 70 bilhões, considerando a manutenção do piso em R$ 600 e o valor extra de R$ 150 por criança. Qualquer espaço adicional, portanto, ficará livre para gastos e estará vinculado a solicitações da equipe de transição, mas também, segundo o texto, às comissões permanentes do Legislativo – colegiados cuja presidência é escolhida com base na composição do bloco vencedor da eleição pelo comando da Câmara e do Senado e na participação proporcional dos partidos nesses grupos.

Isso não necessariamente significa caminho fácil no Congresso para Lula nos próximos quatro anos – há muitos bolsonaristas eleitos dispostos a fazer oposição ferrenha a seu mandato na Câmara e no Senado –, mas certamente ajuda a compor uma base de sustentação. O texto da PEC da Transição revela uma tentativa do governo eleito de favorecer escolhas coletivas em detrimento de lideranças individuais na indicação das dotações orçamentárias. Se bem utilizada, a estratégia pode favorecer as políticas públicas elencadas pelo governo e reduzir a força das emendas de relator, maior símbolo da falta de comando do Executivo sobre o Orçamento.

No mundo da economia, a avaliação é diferente, tanto que alguns investidores acreditam que o Banco Central (BC) manterá a taxa básica de juros no atual patamar ao longo de todo o ano de 2023 para conter a inflação. Nesse ambiente, o sucesso do governo Lula dependerá da âncora fiscal que substituirá o teto de gastos e que ele terá de enviar ao Congresso até agosto, por meio de lei complementar. Se o texto for mantido da forma como a CCJ o aprovou, é tempo mais do que suficiente para negociar um novo arcabouço que resgate a credibilidade fiscal do País. Até lá, o que se espera é que o governo eleito entenda a necessidade de atrelar responsabilidade fiscal e social e que elabore uma regra crível e estável, que sinalize a disposição de controlar os gastos após a correção das condições que tornaram o Orçamento inexequível.

Aprovar uma âncora fiscal e mantê-la fora da Constituição é desejável, principalmente porque tal regra demandaria maioria simples no Legislativo. Há muitos outros desafios a serem negociados, principalmente projetos que favoreçam o crescimento econômico, como a sempre adiada reforma tributária. Para todos eles, a formação de uma base no Congresso é um primeiro e imprescindível passo, premissa que parece ter guiado as negociações sobre a PEC da Transição.