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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Peso do passado atrapalha o País

Em condição histórica marcada pela inovação tecnológica e por abalos que sacodem a organização social, é espantoso que nossos políticos ainda atuem com os olhos para trás

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Por Marco Aurélio Nogueira

Visto pela ótica do mundo, 2023 não foi um ano de que possamos nos orgulhar. Duas guerras, muito desentendimento, pressões por toda parte, poucos avanços na questão climática, ambientes políticos desgastados e sistemas democráticos com dificuldades.

No Brasil, 2023 começou carregado de nuvens golpistas. A bandalheira reacionária do 8 de janeiro mostrou que a extrema direita permanece viva. Ameaçou nossa frágil democracia, mas não a derrubou. Ao contrário, possibilitou o esboço de um pacto nacional em sua defesa, envolvendo governadores estaduais, a Presidência da República e os demais Poderes de Estado, apoiados pela opinião pública. A tentativa de golpe morreu no berço e seus protagonistas foram expostos ao ridículo. Prisões ocorreram, houve alguns ajustes de contas, Lula passou a governar, a vida seguiu em frente.

A vitória de Lula em 2022 e a instalação de seu governo imprimiram outra dinâmica ao País. A nova situação exigiu uma controversa inflexão pragmática do presidente, dadas a fraqueza parlamentar do PT e a inexistência de uma base política consistente para o governo. A consequência foi a ocupação do espaço pelo chamado “centrão”, que se impôs na organização ministerial e condicionou o curso das propostas governamentais. O governo cedeu e terminou por empoderar o Legislativo, especialmente ávido nas questões orçamentárias.

Daí vieram as maiores derrotas de Lula (a desoneração da folha de pagamentos, a reforma do ensino médio, o marco temporal, as emendas parlamentares obrigatórias), parcialmente compensadas pela aprovação da reforma tributária. A composição ministerial também foi impactada. Ficou torta, com cara de puxadinho e sem comando claro. O PT esperneou, mas empacou em seus dogmas e peculiaridades, abrindo um flanco incômodo para o governo.

A politização trouxe para o primeiro plano a articulação política, que havia sido defenestrada durante os anos Bolsonaro. Mais negociações, conversas e entendimentos entre partidos e grupos passaram a tingir a política nacional. Lula gastou o verbo para tanto, com direito a escorregões verborrágicos improdutivos. Os pequenos interesses (pessoais, eleitorais, regionais), porém, mantiveram-se ativos, criando a sensação de que o “novo” Brasil nada mais é do que a reposição do mesmo velho País de sempre. De certo modo, não saímos muito do lugar.

Boa parte do problema se deveu à irremovível polarização política e ideológica. O País manteve-se dividido. Pesquisas mostraram uma sociedade estilhaçada em três pedaços: os que apoiam Lula, os que ainda se referenciam por Bolsonaro e um último terço de pessoas que estão à espera de maiores definições.

Polarizações fazem parte da política, não há por que as estigmatizar. Porém, quando se infiltram como ácido nas relações pessoais, familiares, profissionais, escolares, quando reduzem tudo a um combate sem tréguas e sem ponderações reflexivas entre dois campos ideológicos que se tratam como inimigos, as polarizações são paralisantes. Deformam o embate político. Impulsionadas por redes e desinformação, envenenam a sociedade, dificultando a convivência coletiva. Bloqueiam o alcance de consensos substantivos ou só os permitem à custa de muito suor.

Continuamos, também, a sofrer com o peso do passado. Caminhamos com bolas de chumbo amarradas às pernas. No plano econômico, o País até tem conseguido deslanchar, mas no restante avança pouco. O prolongamento do passado se combina com uma desestruturação social em marcha acelerada, que vai sendo naturalizada. Padrões tradicionais de fazer política e governar seguem sendo a fonte de profundas desigualdades, da precariedade dos serviços públicos e da ignorância generalizada que assola a população. A própria política estacionou em ponto morto, sem poder produzir sua virtude maior: a comunicação ágil entre Estado e sociedade, a sinalização clara dos rumos possíveis, a construção de consensos que ordenem os conflitos e criem vida coletiva.

Isso aparece na reposição contínua de uma classe política que não adquire perfil qualificado para interagir com os novos termos do jogo político, social e econômico. É algo que afeta o centro, a extrema direita, a esquerda, os diferentes partidos, todos fixados em disputas eleitorais que pouco interferem na fisionomia da sociedade. Há muita ênfase nos ganhos econômicos, fiscais e orçamentários, mas pouca atenção aos valores, que são o que movem as pessoas na vida hipermoderna. Numa condição histórica marcada pela inovação tecnológica e por abalos que sacodem a organização social, chega a ser espantoso que nossos políticos continuem a atuar com os olhos para trás, incapazes de alcançar consensos e formular uma ideia de Nação.

Pode ser que não estejamos à beira do abismo. O País é diversificado, tem recursos para crescer e alcançar melhores patamares de igualdade, saúde, educação. 2023 não foi um ano perdido, embora não tenha recebido o benefício dos deuses. Não custa, por isso, esperar que 2024 nos traga algum avanço.

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PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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