O Ministério da Ciência e Tecnologia informou na sexta-feira que o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, será exonerado. A situação de Ricardo Galvão se tornou, segundo suas próprias palavras, “insustentável”, pois seu trabalho foi duramente criticado pelo presidente Jair Bolsonaro e por alguns de seus ministros depois que o Inpe divulgou números desastrosos sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.
O governo argumenta que os números do Inpe não estão corretos, embora não apresente outros dados que possam indicar um quadro diferente. O presidente Bolsonaro chegou a convocar uma coletiva de imprensa para dizer que os números foram “espancados” pelo Inpe com o objetivo de prejudicar “o nome do Brasil e do governo” no exterior. Para o presidente, pode ter havido “quebra de confiança”.
Ao que parece, o governo considerou um desserviço do Inpe a divulgação de dados segundo os quais o desmatamento na Amazônia pode ter crescido mais de 80% em junho na comparação com o mesmo mês do ano passado. Dados como esses, obtidos pelo sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), são há muito tempo regularmente publicados no site do Inpe, razão pela qual não há fundamento nas queixas do governo sobre uma suposta “má-fé” daquele órgão ao divulgar os números. Má-fé teria havido se o público fosse privado dessas informações, como acontece em governos com vocação antidemocrática – caso, por exemplo, da Venezuela chavista, que habitualmente esconde os dados que são desfavoráveis à imagem do ditador Nicolás Maduro.
De fato, o quadro revelado pelo Inpe é constrangedor e começa a repercutir no exterior. A revista britânica The Economist, por exemplo, dedicou a principal reportagem de sua mais recente edição à devastação da Amazônia, acentuada sob a gestão de Jair Bolsonaro. A publicação acusa o presidente de proteger os desmatadores ao “deixar claro que aqueles que violam as regras não têm nada a temer” – embora, como lembra a revista, Bolsonaro tenha sido eleito “para restaurar a lei e a ordem”.
Tanto a leniência do governo em relação aos desmatadores como sua reação colérica contra os responsáveis por divulgar os números que comprovam a devastação são coerentes com a ideologia que Bolsonaro e seu entorno esposam. Segundo essa ideologia, as preocupações com o meio ambiente e os alertas sobre o aquecimento global são exagerados, frutos de uma conspiração internacional “marxista” de ONGs e governos esquerdistas para impedir o desenvolvimento do Brasil. Há alguns dias, por exemplo, o presidente Bolsonaro disse que Ricardo Galvão, diretor do Inpe, estava “agindo a serviço de uma ONG”. Na mesma ocasião, opinou que a questão ambiental só interessa “aos veganos que comem vegetais”.
Enquanto enriquecem o anedotário bolsonarista, declarações como essas apenas reforçam a certeza de que a preservação ambiental não é prioridade para o governo – que, ao contrário, se manifesta frequentemente a favor de projetos e de iniciativas que, a título de desenvolver o Brasil, simplesmente ignoram a necessidade imperiosa de evitar ainda mais danos à Amazônia e a outros biomas ameaçados.
O Brasil tem totais condições de prosperar sem a necessidade de degradar o ambiente. Tanto isso é verdade que, conforme lembrou a Economist, a produção brasileira de soja e de carne cresceu entre 2004 e 2012, período em que o desmatamento caiu 80%. Por outro lado, é certo que o desenvolvimento do País estará seriamente comprometido se a devastação continuar, pois os efeitos climáticos certamente vão prejudicar a agricultura – e, ademais, servirão de pretexto para que haja boicote a produtos agrícolas brasileiros no exterior.
Assim, em lugar de questionar os números que comprovam o desmatamento, atribuindo-os a complôs contra o Brasil, o governo faria melhor se os usasse para apertar a fiscalização e punir quem viola as leis ambientais, mitigando o desastre que já está à vista de todos. Essa seria a atitude correta de um presidente que estivesse realmente preocupado com as próximas gerações, e não, ao que parece, com as próximas eleições.