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Não é hora de engordar os TRFs

Em iniciativa insensata, o Congresso inflou, sem razões técnicas, o número de desembargadores dos TRFs, em plena crise fiscal

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Por Notas&Informações
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Depois de aprovar a criação de mais um Tribunal Regional Federal (TRF-6), sob a justificativa de que, quando for instalado, ele ajudará a descongestionar a segunda instância da Justiça Federal, o Congresso aprovou no dia 9 de novembro, com o mesmo argumento, o projeto que transforma cargos vagos da primeira instância em cargos de desembargadores nos cinco TRFs já existentes.

De iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto havia sido votado pela Câmara, mas retornou à Casa, porque o Senado o alterou, aumentando ainda mais o número de cargos de desembargador originalmente previsto. Deputados e senadores não apresentaram nenhum fundamento técnico para a decisão. Limitaram-se a dizer que o número de recursos enviados aos TRFs vem crescendo. E que juízes de primeira instância têm o “grande sonho” de ascender na carreira.

Para se converter em lei, o projeto agora só depende de sanção presidencial. Com isso, o TRF-1, com sede em Brasília, passará de 27 para 43 desembargadores. Já o TRF-2, sediado no Rio de Janeiro, passará de 27 para 35. O TRF-3, com sede em São Paulo, pulará de 43 para 55. Com 27 magistrados, o TRF-4, sediado em Porto Alegre, passará a contar com 39. E o TRF-5, com sede no Recife, passará de 15 para 24.

A decisão do Congresso é equivocada, a começar pelo fato de que não tem sentido converter cargos vagos de juízes federais em novas cadeiras para desembargadores. Como é na primeira instância da Justiça Federal onde há maior carga de trabalho, o mais lógico teria sido preencher os cargos que estão vagos. Por isso, mais dia menos dia, o STJ enviará ao Congresso outro projeto, desta vez pedindo a criação de mais cargos de primeira instância, tudo isso em período de escassez generalizada de recursos, por causa da pandemia. 

Além disso, o inchaço dos TRFs colide com os princípios da Emenda Constitucional (EC) 45/04, que introduziu a reforma do Judiciário com o objetivo de reduzir despesas correntes e inibir o excesso de litigação nas instâncias judiciais intermediárias em matérias com entendimento já pacificado pelos tribunais superiores. Entre outras inovações, a EC 45/04 procurou reduzir o número de recursos judiciais, criando três mecanismos processuais que valorizam a jurisprudência. 

O primeiro é o princípio da repercussão geral. Quando determinado caso for considerado importante para toda a sociedade, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) valerá para os casos idênticos que tramitam nas instâncias inferiores da Justiça. O segundo mecanismo é a súmula impeditiva de recursos, determinando que decisões dos juízes de primeira instância baseadas na jurisprudência do STJ ou do STF não podem ser objeto de recurso de apelação. O terceiro mecanismo é a súmula vinculante, que confere força normativa à jurisprudência do STF, obrigando as demais instâncias do Judiciário a acatá-la. 

Além do aumento de gastos decorrente da expansão desses tribunais, em plena crise fiscal, há ainda outro problema a ser considerado. A escolha dos 57 novos desembargadores dos cinco TRFs e dos 18 desembargadores do TRF-6, criado no mês passado, será feita por meio de lista tríplice submetida ao presidente da República. A ampliação a um só tempo de 41% do número de desembargadores federais (de 139 para 196, além dos 18 do TRF-6) confere, portanto, peso desproporcional à vontade do chefe do Executivo federal. Ainda que não haja autonomia irrestrita para nomear (a escolha é feita a partir de lista tríplice), não faz sentido que a composição da segunda instância da Justiça Federal recaia de forma tão intensa numa única pessoa.

Além disso, Jair Bolsonaro não tem especial apreço por critérios técnicos ou institucionais. Por exemplo, para justificar uma nomeação para o STF, disse: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão da amizade é importante”. No plano institucional, eventual aparelhamento político da Justiça Federal é outro grave perigo, decorrente da insensata decisão do Congresso de engordar os TRFs.