Mais uma vez está nas mãos dos deputados federais a missão de combinar celeridade e rigor técnico na análise e votação do projeto de lei que define novas diretrizes para o ensino médio. Na quarta-feira passada, os senadores aprovaram o projeto, mas como alteraram pontos importantes do texto que originalmente passou pelos deputados, caberá novamente à Câmara analisar as mudanças e dar prosseguimento à necessária reestruturação da etapa mais complexa da vida escolar. Necessária, porém já tardia: pelo calendário original, o novo modelo já deveria estar regulamentado, orientando as escolhas de milhões de adolescentes. Dado o adiantado da hora e o amadurecimento das discussões, é o momento de agir com rapidez, ou o País não poderá iniciar as mudanças na etapa a partir de 2025.
Há dissonâncias significativas entre o projeto saído da Câmara e o substitutivo da relatora no Senado, Professora Dorinha Seabra (União Brasil-TO), e esse será o maior desafio. A senadora fez mudanças em pontos centrais, como a questão da carga horária, a retomada do espanhol como disciplina obrigatória e a restrição à regra de notório saber para professores contratados em cursos técnicos. Não à toa, o deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE), relator do projeto na Câmara, já anunciou que trabalhará para derrubá-las. Ele se baseia no consenso construído entre governo e oposição, depois de um intenso debate entre o ministro da Educação, Camilo Santana, e Mendonça Filho – não sem ironia o ministro de Michel Temer e principal responsável por formular a reforma aprovada em 2017. Ambos se desentenderam, tiveram discussões ríspidas ao longo da negociação, mas, ao final, chegaram a um entendimento.
O texto aprovado no Senado prevê que, das 3.000 horas de todo o ensino médio, 2.400 (80%) serão destinadas a uma grade comum para todos os alunos, que abrange aulas de disciplinas tradicionais como matemática e português. Atualmente, em razão da reforma aprovada em 2017, são separadas 1.800 horas para as disciplinas obrigatórias e 1.200 para o itinerário formativo escolhido pelo aluno. Para quem optar pelo ensino profissionalizante, a carga comum cai para 2.200 horas, restando 800 horas para aulas específicas dos cursos técnicos. A Câmara tinha fixado em 2.400 horas a grade comum para a maioria e 2.100 para o ensino técnico. Quanto à obrigatoriedade do espanhol, o texto aprovado no Senado prevê que as duas línguas estrangeiras obrigatórias (espanhol e inglês) poderão ser substituídas em algumas situações.
Apesar das dissonâncias em relação à Câmara – sobretudo na carga horária e na obrigatoriedade do espanhol –, o texto do Senado traz melhorias. Estabelece, por exemplo, um porcentual mínimo para a formação geral básica no ensino em tempo integral e prevê em lei tanto a formação continuada dos docentes quanto o monitoramento contínuo da implementação do Novo Ensino Médio. Há, no entanto, diversos pontos que saíram maduros do acordo na Câmara, um tênue ponto de equilíbrio entre as diferentes demandas e preocupações dos Estados, das instituições envolvidas nos debates e dos parlamentares ligados à educação. Foi o que permitiu chegar a uma fórmula que afastou de vez a absurda possibilidade de revisão completa da reforma, algo que chegou a ser cogitado por parte da esquerda no início da gestão de Lula da Silva.
Tão importante quanto a definição de quantas mil horas são necessárias para o aprendizado desta ou daquela disciplina – questão já exaustivamente pautada até aqui – será a adequação às novas normas que pretendem desengessar a matriz curricular. É preciso reconhecer que a etapa mais essencial já foi vencida: a construção de consenso sobre a natureza da reforma, com a necessidade de tornar os currículos mais convergentes com os interesses dos estudantes e um modelo mais atraente e relevante para o futuro dos alunos. Nos próximos meses, uma vez finalizada a tramitação no Congresso, ainda serão necessários ajustes operacionais, regulamentações estaduais e definição de metas para ampliação de matrículas. Mais um motivo para que deputados combinem técnica e celeridade na aprovação final. Uma política em alto nível, compatível com a educação de que o Brasil precisa.