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O BC e o risco da tempestade

Se houver dois turnos, como indicam até agora as pesquisas de intenção de votos, o quadro político só estará mais claro pouco antes da próxima reunião do Copom

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Por Redação
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O Brasil tem suportado a turbulência externa sem grandes danos e com a inflação ainda contida, mas há pela frente o risco de uma tempestade quase perfeita. Essa tempestade ocorrerá se a piora do quadro internacional for combinada com uma frustração das expectativas de ajustes e reformas. Nesse caso, um aumento de juros será indispensável para frear a escalada inflacionária. No meio de muita incerteza, é possível detectar pelo menos o aumento desse risco. A advertência aparece com clareza na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), realizada na semana anterior. Nessa reunião a taxa básica de juros foi mantida pela quarta vez em 6,50%. O comitê ainda se reunirá duas vezes neste ano, em outubro, depois do segundo turno das eleições, e no fim de dezembro. É razoável, avalia-se no mercado, prever a manutenção da taxa pelo menos mais uma vez. Mas nem essa previsão é autorizada pela ata.

Segundo o texto, é recomendável, diante do nível de incerteza, evitar qualquer indicação dos próximos passos e preservar maior flexibilidade para as decisões. O “nível de incerteza” é mencionado sem referência explícita à eleição presidencial, mas a ligação é evidente. Se houver dois turnos, como indicam até agora as pesquisas de intenção de votos, o quadro político só estará mais claro pouco antes da próxima reunião do Copom. Mas uma avaliação mais segura das intenções do eleito ainda vai depender de suas primeiras declarações sobre política econômica.

Sem grandes sustos até lá, o comitê poderá insistir ainda uma vez na taxa de 6,50% e manter, pelo menos até o fim do ano, uma política monetária mais propícia à reativação dos negócios. A inflação permanece moderada e as pressões cambiais continuam toleráveis, sem afetar seriamente os preços ao consumidor. Não há como desprezar, no entanto, o risco da tempestade quase perfeita, formada pela combinação da instabilidade cambial com a frustração das expectativas de ajustes e reformas essenciais a um crescimento econômico mais forte e mais seguro.

A atenção do mercado à pauta de reformas foi evidenciada mais uma vez quando a economista Samar Maziad, vice-presidente e analista sênior da Moody’s, comentou diante de uma grande plateia, em São Paulo, os desafios do próximo presidente. A Moody’s, uma das mais importantes agências de classificação de risco, atribui ao crédito soberano do Brasil, neste momento, a nota Ba2 com perspectiva “estável”.

Essa nota, segundo a analista, inclui a expectativa de continuidade do esforço de arrumação fiscal e de reformas. A ruptura, advertiu, poderá prejudicar a classificação do Brasil. A redução da confiança tenderá a gerar mais instabilidade nos mercados, com risco de maior desvalorização cambial, maiores pressões inflacionárias e maiores entraves ao crescimento econômico.

Do lado externo, observou a vice-presidente da Moody’s, o Brasil está em boas condições. O País tem reservas cambiais elevadas, está pouco exposto a dívidas em moedas estrangeiras e seu déficit em transações correntes é pequeno como proporção do PIB. Em relação a esses pontos o País está muito melhor que vários outros emergentes. Mas suas contas fiscais estão muito piores que as de vários outros países, com mais de 90% de gastos obrigatórios no Orçamento. “O desafio é fiscal, fiscal, fiscal.”

De fato, com reservas em torno de US$ 380 bilhões, déficit em conta corrente abaixo de 1% do PIB e superávit comercial ainda robusto, embora menor que no ano passado, o Brasil tem condições externas satisfatórias. Essas condições o tornam menos vulnerável que outros países a choques externos. Mas problemas internos travam o crescimento e os mais prementes, os fiscais, são prenúncios de um desastre.

Os prenúncios ficarão mais assustadores se o presidente eleito se mostrar insensível ao risco ou disposto a tomar o caminho das soluções fáceis, voluntaristas e irresponsáveis. Nesse caso, nenhum aumento de juros salvará o País de uma crise maior que a anterior.

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