Os exegetas do Palácio do Planalto parecem ter encontrado uma solução para os problemas de ineficiência, governabilidade e popularidade que atormentam o presidente Lula da Silva: um boné e um slogan de linhagem provocativa. E, de quebra, provocam o presidente dos EUA, Donald Trump, o bolsonarismo e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Como se viu na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, ministros de Lula que se licenciaram para votar surgiram com bonés azuis, onde se lia “O Brasil é dos brasileiros”. Foi o caso de Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Carlos Fávaro (Agricultura) e Camilo Santana (Educação), além do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues. Depois, o próprio Lula embarcou na onda e apareceu com o boné em suas redes sociais.
O artifício saiu da cabeça de Padilha – ou melhor, de “um pessoal da periferia da zona sul de São Paulo”, segundo ele informou. Após acolher a sugestão, encomendou o slogan ao ministro da Secretaria de Comunicação Social, o marqueteiro de Lula e do PT, Sidônio Palmeira – um contraponto constrangedor aos bonés vermelhos “Make America Great Again” da campanha de Trump. Como é difícil acreditar que bonés ajudem a solucionar problemas que só boa gestão, liderança e sensatez são capazes de resolver, aos ministros que toparam a – vá lá – ideia restará apenas o constrangimento público.
Na ausência de atributos, o governo, sob inspiração onipresente de um marqueteiro, tem buscado incessantemente encontrar uma marca para chamar de sua. Mas, na falta de ter o que mostrar, sobra o que dizer. Com isso se ignora algo elementar: não há marketing, gesto, palavrório, slogan ou boné capazes de vender um produto ruim. Os bonés são um sintoma dessa deficiência lulopetista. Ademais, carente de substância, o governo recorre ao jogo de quem acredita numa máxima nascida da polarização, segundo a qual é preciso usar as armas do adversário para enfrentá-lo. A escolha animou os adversários. Na volta ao trabalho no Congresso, assistiu-se a uma risível guerra de bonés: os azuis lulopetistas contra parlamentares bolsonaristas com bonés em verde e amarelo e o slogan “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”.
Em tese, os bonés azuis aludem aos danos que o governo dos EUA pode causar ao Brasil, por meio de tarifas comerciais, de eventual humilhação imposta a brasileiros deportados ou dos vínculos estreitos com o bolsonarismo – como se sabe, enquanto esteve no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro costumava ignorar interesses nacionais para apresentar-se como um deslumbrado vassalo de sua contraparte americana. Em janeiro, o governador Tarcísio de Freitas parabenizou o presidente americano com o boné vermelho, e o coach Pablo Marçal postou um vídeo antigo com Trump como se tivesse estado na posse.
O lulopetismo mirou em todos eles, convicto de ter encontrado a fórmula para escancarar o “viralatismo de falsos patriotas que bajulam os EUA”, como definiu um site que defende o governo acima de tudo e de todos. Mas, na prática, produziu-se um viralatismo às avessas, não só ao replicar o modelo de Trump, como também ao escolher o azul, cor do Partido Democrata, como contraponto ao vermelho do Partido Republicano. O mais grave, contudo, é ver que os planos do governo se resumem a marotagens marqueteiras.
Enquanto embarca no populismo digital, o governo está às voltas com dois problemas gigantescos: sair das cordas na relação com o Congresso e segurar as rédeas de uma base heterogênea, fragmentada e indócil. Em vez de se concentrar nesses desafios, cria fantasias nacionalistas e aponta o dedo para o Centrão a fim de justificar os próprios fracassos. Mas, como ensinou a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, em entrevista ao Valor, o problema do governo é menos o fato de o Congresso ser majoritariamente de direita e mais a ausência de foco. Espremido entre a falta de clareza sobre o que quer e a incompetência para fazê-lo, só lhe resta promover meros atos de lacração, como se diz, forjados para gerar likes nas redes sociais e atiçar a militância.