A crise da aviação no pós-pandemia não é exclusividade das companhias brasileiras. Ao contrário. Interrompido de forma brusca nos dois anos de isolamento social, por medidas ora mais, ora menos rigorosas, o transporte aéreo mundial acumulou perdas em 2020 e 2021 superiores a US$ 200 bilhões, como calculou a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). O retorno à normalidade encontrou todas tentando juntar os cacos de uma paralisia forçada.
Apesar disso, logo no início da terceira gestão Lula da Silva, antes do marco de cem dias, o então ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, anunciou que o governo estava preparando um plano de venda de passagens aéreas por R$ 200. A precipitação rendeu uma bronca pública, com Lula referindo-se à proposta como “genialidade” que não havia sido discutida pela Casa Civil. Meses depois, França foi substituído no ministério por Silvio Costa Filho (Republicanos) em acordo para acomodar o Centrão no primeiro escalão do governo. O plano, porém, permaneceu.
A insistência com que Costa Filho continua a fazer os anúncios do Voa Brasil e suas passagens baratas para aposentados e estudantes carentes sugere que a genialidade não era ideia de apenas um ministro. Mais parece o anseio do governo em reeditar de maneira forçada a popularização do transporte aéreo verificada em outro momento. Na época, a conjuntura de elevação do rendimento levou ao aumento da demanda.
Obviamente, não é o caso atual. Não à toa, quase um ano depois, ainda não saiu do papel. Mas volta à tona acompanhada de uma intensa campanha de uma parte do governo por um pacote de socorro que promete capitalizar as companhias aéreas. Não será nada fácil e muito menos prudente, especialmente num período em que o próprio governo precisa reduzir despesas e aumentar a arrecadação para desembaraçar a situação fiscal.
O ministro Costa Filho é pródigo na divulgação de “soluções”. Fala em reduzir o preço do querosene de aviação (QAV), criar um fundo de financiamento da aviação civil para que as empresas comprem aviões, dar crédito específico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e até reduzir a judicialização, como se fosse possível impedir consumidores de recorrerem à Justiça sempre que se sentirem lesados.
O tal fundo contaria com recursos do pagamento de outorgas da privatização de aeroportos, dinheiro contingenciado para melhorar as contas do governo. Não há como puxar o cobertor curto para cobrir as companhias aéreas sem descobrir a meta fiscal. Os aviões usados no transporte aéreo não são próprios – nem no Brasil nem em outros países. São arrendados em contratos de leasing, em contratos que, inclusive, as empresas já tentaram negociar com o BNDES como garantia para novos financiamentos. Seria uma temeridade o governo obrigar o banco estatal a assumir esse risco.
Durante a pandemia, o governo permitiu a renúncia fiscal das companhias aéreas. No fim de 2022, a isenção de PIS/Cofins foi estendida até 2026. A Petrobras reduziu o QAV em quase 41% desde o início de 2023, como informou o presidente da companhia, Jean Paul Prates, em entrevista ao Broadcast/Estadão. Para promover mais cortes, teria de ser ressarcida pelo governo.
Não há solução fácil para o setor aéreo, que no mundo inteiro convive com o histórico de altos custos, margens estreitas de lucro e riscos que independem das companhias, como problemas climáticos e variações cambiais. Todos são problemas amplamente conhecidos pelos agentes do setor. A gestão é o grande diferencial. Varig, Vasp, Transbrasil e Avianca são exemplos recentes em que problemas de gestão aprofundaram os riscos inerentes ao mercado.
Em 2020, a Latam, que detém a maior fatia do mercado nacional, entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos. Saiu, reestruturada, no fim de 2022. A Gol acaba de recorrer ao mesmo processo, também nos EUA. O setor tende a se ajustar. Para o governo, é recomendável apenas acompanhar.