Maior corte do País em número de juízes e volume de processos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) encontra-se novamente em colisão com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão encarregado de fiscalizar no plano administrativo o funcionamento das diversas instâncias e braços especializados do Judiciário. Se no passado as divergências foram causadas pelas suspeitas da corregedoria do CNJ sobre irregularidades na gestão da Corte, o problema agora envolve a troca da infraestrutura de tecnologia de informação do tribunal.
As novas divergências começaram no dia 20 de fevereiro, depois que o presidente do TJSP, desembargador Manoel Pereira Calças, anunciou a assinatura de um contrato com a Microsoft, no valor de R$ 1,32 bilhão, para substituir o atual sistema eletrônico do tribunal por novas tecnologias de armazenamento em servidores e por plataformas que permitam o desenvolvimento de serviços acessados virtualmente. Na ocasião, Pereira Calças alegou que o atual sistema, instalado e mantido há 15 anos por uma empresa brasileira, está obsoleto. E explicou que dispensou a licitação para a escolha da Microsoft porque as demais concorrentes – Google e Amazon – não se enquadraram nos critérios técnicos definidos em parecer de uma fundação vinculada à USP.
No dia seguinte, por decisão monocrática do conselheiro Márcio Schiefler, o CNJ determinou a suspensão do contrato. Segundo Schiefler, Pereira Calças não poderia ter dispensado a concorrência nem poderia ter escolhido um programa eletrônico diferente do que o órgão definiu como padrão para todo o Judiciário brasileiro. Além de ter pedido diligências, Schiefler, juiz de primeira instância em Santa Catarina, levantou a bandeira do nacionalismo ao censurar o presidente do TJSP por não ter contratado uma empresa brasileira. “Uma empresa estrangeira, em solo estrangeiro, manterá guarda e acesso a dados judiciais do Brasil, onde a intensa judicialização reúne, nos bancos de dados dos tribunais, uma infinidade de informações sobre a vida, a economia e a sociedade brasileiras, o que pode colocar em risco a segurança e os interesses nacionais do Brasil”, afirmou.
Em sua defesa, o presidente do TJSP explicou que obedeceu à Lei de Licitações, à Lei de Acesso à Informação e à Lei de Inovação e alegou que as negociações com a Microsoft foram sigilosas para preservar programas que só essa empresa dispõe. “A negociação não pode ser feita de forma que segredos industriais sejam expostos publicamente. Com a Microsoft, traremos para o Judiciário paulista inteligência artificial e tecnologia de nuvem para aposentar a necessidade de data center próprio. Por cautela, o tribunal atualmente mantém dois data centers, os quais já deram vários problemas. Alguns desembargadores sofreram com a perda de votos quando houve invasão de hackers no sistema atual”, disse Pereira Calças. Ele também afirmou que a Microsoft já presta serviços à Corte há muitos anos, que a tecnologia oferecida por empresas nacionais está defasada e que o tribunal gastará 40% a menos com a nova infraestrutura tecnológica. Por fim, refutou a crítica de que os interesses nacionais do Brasil estariam em risco, uma vez que, pelo contrato, o código-fonte da nova infraestrutura tecnológica ficará com o tribunal, e não com a Microsoft.
Mas, apesar de sua argumentação ter sido endossada por professores da Faculdade de Direito da USP especializados em direito administrativo, e de o presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, tê-la apoiado, os conselheiros do órgão mantiveram a decisão tomada por Schiefler na sessão plenária do dia 12 de março. Com isso, o projeto do maior tribunal brasileiro para o desenvolvimento de um sistema de tramitação processual mais rápido e eficiente está parado.
O que parece ter prevalecido nesse julgamento não foram argumentos técnicos, mas animosidades corporativas. Essa é mais uma demonstração das dificuldades que a Justiça – especialmente a paulista – enfrenta para se modernizar.