Quando políticas públicas exigem tramitação no Congresso Nacional, boas premissas técnicas nem sempre se traduzem em eficiência política, e vice-versa. Com isso, no complexo jogo de relações entre o Executivo e o Legislativo, pautas urgentes e imprescindíveis acabam em segundo plano pelas deficiências na articulação do governo, como ficou evidente no adiamento da votação do projeto que reformula o Novo Ensino Médio. Sem acordo com o relator Mendonça Filho (União-PE) e prevendo uma derrota iminente no plenário da Câmara, o Ministério da Educação (MEC) optou pelo adiamento. Assim, o tema só deve voltar à pauta do Congresso em março de 2024, após o recesso legislativo e o carnaval, deixando ainda mais aflitos milhões de estudantes.
O adiamento resulta de algo maior do que pontos de divergência com Mendonça Filho, como a carga horária das disciplinas obrigatórias e optativas previstas no novo currículo. Em bom português: o ministro Camilo Santana comeu mosca no diálogo com os congressistas e fez o Brasil deixar para o ano que vem o que deveria ter sido uma das prioridades da Educação Básica em 2023. Perdeu a chance de iniciarmos 2024 com uma reforma aprovada e com o esforço dedicado à sua regulamentação e implementação. Falhou nas negociações e saiu derrotado. A derrota maior, no entanto, é imposta aos jovens estudantes que desde o ano passado amargam uma reforma implementada de maneira atabalhoada, o que apenas aprofundou a resistência a ela.
Em 2016, o governo de Michel Temer assinou uma medida provisória que deu origem à Lei 13.415, que entre outras coisas trouxe uma nova arquitetura curricular para o Ensino Médio. Diferentemente do que pregaram as vozes do apocalipse da esquerda, o conteúdo da reforma liderada pelo então ministro da Educação, Mendonça Filho, incorporava as principais ideias de um outro projeto de lei que já estava em discussão na Câmara, apresentado pelos deputados federais Reginaldo Lopes (PT-MG) e Wilson Filho (Republicanos-PB), após anos de debates e contribuições de diversos setores.
Os princípios da reforma eram corretos e incluíam a criação de uma formação geral básica, organizada por áreas de conhecimento, e uma parte flexível, na qual os estudantes escolhem cursar trilhas de aprofundamento oferecidas – os chamados itinerários formativos. Ampliação da carga horária, busca por mais interdisciplinaridade, organização curricular mais flexível e a opção dada ao aluno por uma formação profissional e técnica integravam as mudanças que se mostravam compatíveis com a necessidade de modernizar o Ensino Médio e torná-lo mais atrativo, superando um modelo monolítico, espremido em poucas horas e atrasado.
Ocorre que o MEC do então presidente Jair Bolsonaro tinha outras prioridades. Mesmo diante da pandemia de covid-19 e suas sequelas na educação, os planos de implementação da reforma não foram revistos, e o País assistiu a uma pletora de problemas de estrutura nas escolas e falta de capacitação de professores para promover de fato uma revolução em sala de aula. A revolução, no caso, iria ganhar contornos risíveis, incluindo cursos como “O que rola por aí”, “Brigadeiro caseiro” e “Mundo pets S.A.”, saídas encontradas pelas escolas públicas para que pudessem, às pressas, preencher a carga horária flexível prevista na mudança curricular.
Havia problemas no desenho e mais problemas ainda na implementação – razões pelas quais o novo MEC iniciou um processo de alteração da reforma de 2017. O Projeto de Lei preparado pelo governo aperfeiçoou a reforma, mas igualmente exibiu pontos a serem melhorados, tarefa dada ao deputado Mendonça Filho. Não é sem ironia, porém, que o principal artífice da reforma de Michel Temer tenha sido o nome escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para ser, a contragosto do governo lulopetista, o relator do projeto. Agora o ministro Camilo Santana credita o adiamento à divergência na carga horária da formação geral básica. Pode ser. Mas a lição mais evidente é que, por arrogância técnica ou incapacidade política, ele e sua equipe ajudaram a estender o atraso.