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O pior cego

Pesquisas mostram que cresce na população a percepção de um ecossistema cada vez mais profícuo para a corrupção. Mas o governo está mais preocupado em recriminar os mensageiros

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Por Notas & Informações
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O Brasil atingiu sua pior colocação no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional (TI), caindo da 69.ª posição, com 43 pontos (numa escala de integridade de 0 a 100) no início da série histórica em 2012, para a 107.ª (entre 180 países), com 34 pontos.

Como já virou rotina, o governo, via Controladoria-Geral da União (CGU), abriu fogo contra o mensageiro. “Conversa de boteco”, desdenhou o ministro Vinícius Marques, cobrando a TI por aquilo que ela não promete: um índice de ocorrência da corrupção. A ironia é que esse mesmo índice ora espinafrado pelo governo de Lula da Silva foi considerado confiável e pertinente pelos petistas quando apontou problemas nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro.

A corrupção é, por natureza, um crime elusivo. Assassinatos ou roubos são facilmente mensuráveis, ainda que os criminosos não sejam identificados ou punidos. Mas, quanto mais competentes os corruptos, mais invisíveis são seus crimes.

Por isso, o IPC cruza dados de 13 organizações internacionais reputadas com enquetes com lideranças jurídicas, empresariais e acadêmicas para medir a “percepção”. Não que ela seja uma mera emoção sem esteio objetivo. Fatores como arbitrariedade e falta de transparência criam um ecossistema fértil à ilicitude. Interpretando as percepções dos especialistas, o relatório da TI elenca condições concretas de risco ou probabilidade de corrupção, ou seja, o cardápio de “ocasiões” que fazem os ladrões. Em 2024, muitas foram gestadas no Executivo, Judiciário e Legislativo.

O loquaz presidente Lula da Silva não só cultiva um silêncio ensurdecedor sobre a pauta anticorrupção, como concertou com o Congresso o fortalecimento das emendas ao Orçamento – uma usina de irregularidades –, omitiu-se diante de indícios de desvios na Codevasf e de mau comportamento de seu ministro das Comunicações, premiou com benefícios bilionários os irmãos Batista – outrora relacionados a cabeludos casos de corrupção –, interferiu na gestão de estatais para acomodar apadrinhados, bateu recordes de negativas a pedidos de acesso à informação e mantém nas sombras as operações do “Novo PAC”.

Para a surpresa de ninguém, a TI constata que “foi no âmbito do Judiciário, em particular no STF, onde mais se avançou, em 2024, o desmonte da luta contra a corrupção”. As canetadas monocráticas de Dias Toffoli anularam no atacado provas e multas contra centenas de criminosos confessos condenados na Operação Lava Jato. A Procuradoria-Geral da República apresentou recursos contra todas estas decisões, mas – emaranhados em conflitos de interesses, espremidos entre eventos de lobistas – os ministros não encontraram tempo para julgá-los.

Já o Congresso, mesmo se dedicando sofregamente à legalização de cassinos e bets, encontra tempo para ampliar com apetite pantagruélico o volume e as modalidades das emendas, que, sob uma cortina de fumaça regimental, degradam políticas públicas, pulverizam a corrupção e distorcem a competição democrática.

À captura do Estado por corporações oligárquicas, some-se a infiltração cada vez mais desabrida do crime organizado nos espaços de poder.

Em sua nota, a CGU sugere que o governo está sendo penalizado por seu afinco no combate à corrupção, já que a “exposição de casos e investigações impacta negativamente a percepção sobre o problema”. Longe de reconhecer a gravidade dos fatores de risco cotejados pelo IPC, a CGU entende que ele mesmo mina a “confiança nas instituições democráticas” ao se embasar em pesquisas com “empresários” que não exprimem a “percepção da população” e distorcem o debate. Faltou pouco para denunciar a TI como um agente de desinformação da extrema direita, empenhada em atacar a democracia e conspirar contra o governo do povo.

Ironicamente, no mesmo dia, uma pesquisa do PoderData revelou que em um ano cresceu de 39% para 45% a parcela da população que acha que aumentou a corrupção sob Lula; e outra da Atlas informou que as maiores preocupações da população são, de longe, a criminalidade e a corrupção, e entre as maiores reprovações ao governo estão, ora vejam, o combate à criminalidade e à corrupção.