A economia brasileira cresce a um ritmo acima de sua capacidade há sete trimestres consecutivos. O hiato positivo do produto – indicador do quanto a economia está crescendo acima de sua capacidade, o que é potencialmente inflacionário – começou com 0,7% no primeiro trimestre de 2023 e foi aumentando gradativamente até chegar a 4% no terceiro trimestre de 2024, no maior descompasso entre demanda e oferta dos últimos 30 anos, como ressaltou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre, da Fundação Getulio Vargas (FGV), ao Estadão.
Um estudo realizado por Considera em parceria com a pesquisadora Elisa Andrade mostra que, antes do ciclo recessivo de 2014 a 2016, o potencial da economia e o seu crescimento efetivo avançavam de forma equilibrada; depois da recessão, até 2023, passaram a rodar de forma desigual, mas com taxas ainda próximas; a partir daí, a desproporção aumentou. O levantamento apenas apresenta os dados, sem tecer comentários sobre as causas, mas por óbvio não é mera coincidência a reversão ter ocorrido a partir da política de incremento de gastos públicos adotada pelo governo Lula da Silva.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista recente à GloboNews, admitiu pela primeira vez que a economia está operando acima de seu potencial. Começou celebrando o fato de o País ter crescido “7% em dois anos”, mas acabou por reconhecer que o déficit em transações correntes em 2024 – estimado em US$ 54 bilhões pelo Banco Central (BC) – indica que o crescimento deva “ser calibrado”. O ministro chegou a fazer uma analogia entre conduzir o crescimento econômico e dirigir um carro de Fórmula 1: “Acelerar é sempre bom? Depende”. Ou seja, se acelerar demais, pode escapar na curva e bater no muro.
Ainda que tardio, é um sinal de alinhamento da Fazenda com os argumentos usados pelo Banco Central para justificar a política monetária contracionista que tenta evitar os efeitos inflacionários de uma economia sobreaquecida. Diante do esforço da equipe econômica para recobrar a credibilidade perdida depois do pacote que frustrou expectativas de contenção de gastos, não há como garantir que essa seja uma convicção real ou apenas retórica, mas, ao menos, é um começo.
A demanda acima da oferta que passou a condicionar a economia depois de nove anos de hiato negativo, como revela o levantamento da FGV, causa enorme pressão sobre os preços. A economia apresenta sinais trocados: a produtividade do capital, em queda em 2014, apenas havia começado a se recuperar quando despencou na pandemia e permanece estagnada; a produtividade do trabalho também não se recuperou do baque do período de pandemia. A despeito disso, o consumo aumenta.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, e o Banco Central também apontam superaquecimento econômico desde 2023. O governo começou a enxergar o fenômeno a partir do segundo trimestre de 2024, baseado em estudo atualizado com a consultoria do pesquisador Bráulio Borges, também da FGV. Ele calcula que em 2023 ainda havia algum excesso de ociosidade na produção. De qualquer forma, há um consenso de que a economia brasileira está, de fato, rodando acima de sua capacidade, e a política fiscal contribui para jogar lenha na fogueira.
Haddad afirmou, na entrevista à GloboNews, que o País “se desacostumou com disciplina nas contas públicas”. Não é uma constatação para ser aceita passivamente. A inflação ameaça a estabilidade porque há déficit de oferta para um consumo que cresce muito acima da produção. E o consumo cresce porque a política do governo é de estímulo, com o forte apelo dos programas de transferência e incentivo ao crédito.
Não à toa o hiato positivo do produto é o argumento mais usado pelo Banco Central para justificar o aperto monetário para tentar segurar a inflação. Quando, em setembro do ano passado, os juros voltaram a subir, o comunicado do BC destacou que o conjunto dos indicadores econômicos mostra “dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo”. A calibragem seria mais fácil se partisse do governo.