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O PT quer manter a clientela

Petistas lutam para garantir o controle da gestão do Bolsa Família, o grande ativo eleitoral do partido, responsável por manter sua freguesia cativa nas regiões mais pobres do País

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Por Notas & Informações
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A Coluna do Estadão informou há poucos dias que é forte a resistência de lideranças do PT a uma eventual nomeação da senadora Simone Tebet (MDB-MS) como ministra da Cidadania, posição que a parlamentar indicou que gostaria de ocupar no futuro governo.

O Ministério da Cidadania será responsável, entre outras atribuições, pela gestão do programa Bolsa Família, um dos principais ativos eleitorais do PT, sobretudo na Região Nordeste, razão pela qual os petistas desejam manter a pasta sob estrito controle do partido. Lideranças da legenda fazem o diagnóstico, não de todo infundado, de que a visibilidade do programa social pode tornar a senadora sul-mato-grossense mais conhecida nacionalmente, o que fortaleceria sua provável candidatura à Presidência da República em 2026.

Malgrado o fato de ainda ser muito cedo para especular quais serão os possíveis cenários de uma campanha eleitoral marcada para daqui a quatro anos, algumas notas podem ser feitas sobre essa movimentação do PT para manter intocado uma espécie de feudo que o partido considera ser seu por direito.

É prerrogativa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva nomear e exonerar ministros como melhor lhe aprouver. Ademais, é legítimo que o PT, assim como qualquer outro partido político da coalizão, articule em defesa de seus interesses na conformação do próximo governo. O Ministério da Cidadania é apenas uma das pastas em disputa. Como o Estadão revelou, os petistas cobram ainda as pastas da Saúde, da Educação, além da Fazenda, a cargo de Fernando Haddad, e da Secretaria-Geral da Presidência. No entanto, isso contraria a promessa de Lula de governar o País pela terceira vez “com menos PT”.

A resistência do PT em ceder espaço de poder privilegiado a uma aliada como Simone Tebet, que se entregou de corpo e alma à campanha de Lula logo após a divulgação do resultado do primeiro turno, revela, antes de tudo, que o partido não compreendeu o significado da frente ampla montada para derrotar Jair Bolsonaro.

A frente “O Brasil Feliz de Novo” foi muito mais do que uma coligação eleitoral. Tal como foi apresentada, tratava-se de uma promessa de coalizão de governo da qual o PT seria apenas uma das legendas constitutivas. Tanto foi assim que, na noite de 30 de outubro, Lula afirmou em seu discurso de vitória que aquele não foi um triunfo seu, nem tampouco do PT ou dos partidos políticos que o apoiaram, mas antes a consagração nas urnas de “um movimento democrático que se formou acima dos partidos, dos interesses pessoais e das ideologias” representadas por cada uma das legendas da coalizão. Uma coalizão de governo implica divisão real de poder.

Mas a incompreensão dos petistas acerca do verdadeiro sentido daquela frente ampla é o menor dos problemas do PT. Subjaz na frenética negociação nos bastidores da transição a preocupação do PT em não perder uma clientela que o partido julga ser cativa: os milhões de beneficiários do Bolsa Família, em especial no Nordeste. De fato, a marca Bolsa Família é fortemente ligada ao PT, tanto que Bolsonaro fez de tudo, dentro e fora da lei, para desvincular o Bolsa Família do partido de seu adversário. Chegou a criar o mal-ajambrado Auxílio Brasil para auferir os mesmos ganhos eleitorais pela exploração dos beneficiários. Para sorte do País, sem sucesso.

Um país com milhões de cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza e convivendo diariamente com a dor da fome não pode prescindir de um bom programa de transferência de renda.

Este jornal criticou não poucas vezes, nesta página, o uso eleitoreiro do Bolsa Família pelos governos petistas, quando o programa apresentava todos os contornos de uma descarada tática para aprisionar milhões de cidadãos na dependência com o objetivo de manter Lula da Silva e Dilma Rousseff no poder. Mas, uma coisa é transferência de renda; outra, é a construção de uma relação clientelista entre a população mais vulnerável e um determinado grupo político.

O PT tem o direito de pleitear o Ministério que quiser na nova conformação da Esplanada. Não deve, contudo, fazê-lo pelas razões erradas.