Ao assumir publicamente a trégua recentemente selada com a Vale, o presidente Lula da Silva deixou explícito o preço do armistício: a participação direta da empresa em programas governamentais. Chegou a citar iniciativas ligadas à transição energética e à exploração de minerais críticos, ambas com projetos em curso. Para Lula, a Vale deixou de ser “governada” de forma “muito irresponsável” e agora “se dispõe a ter um novo comportamento”.
Lula nunca engoliu a privatização da Vale, há quase 30 anos. Recentemente, disse que a empresa era “motivo de orgulho” quando era estatal e que agora, por ser privada e com controle pulverizado, “não tem um dono” com quem o governo possa falar – e sobre quem possa exercer pressão para atender aos projetos de Lula, claro. O petista já declarou que “as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”. Incansável, Lula tentou emplacar um sabujo seu na direção da Vale – até o ex-ministro Guido Mantega foi aventado –, sem sucesso.
A nova direção da Vale, porém, já deu sinais de que a pressão de Lula funcionou de alguma forma, pois houve uma clara tentativa de aproximação com o governo.
Lula quer ter voz ativa na Vale. Não parece nem um pouco incomodado com o prejuízo ao ambiente de negócios que sua obstinação cria, desde que mantenha aberto um canal de financiamento a projetos governamentais, que certamente não ficarão restritos aos segmentos que citou, escolhidos a dedo por fazerem parte do escopo da Vale.
O anúncio de que vai convocar uma reunião com representantes do governo e da empresa para discutir “como é que a gente vai vencer os obstáculos de mineração que a Vale está enfrentando”, mais do que selar a paz, eliminou qualquer dúvida que pudesse haver sobre relações de troca.
Desde que Gustavo Pimenta, ex-vice-presidente Financeiro e de Relações com Investidores, assumiu a presidência da empresa, foram firmados acordos para dois “obstáculos” importantes que estavam emperrados: o pagamento de recursos adicionais ao governo para manter a concessão das ferrovias Vitória-Minas e Carajás, seus dois grandes canais de escoamento de minério, e o acordo definitivo de reparação pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015.
Pimenta esteve em Brasília na última semana em uma conversa que Lula definiu como “extraordinária”. “Eu fiquei muito contente com a impressão que me passou o presidente da Vale, e nós queremos discutir várias coisas para fazer com que a Vale volte a produzir mais minérios e volte a ser a primeira ou a segunda no mercado internacional”, afirmou.
Esperto, Lula quer emplacar a versão de que se trata de um ganha-ganha entre o governo e a Vale, sem mencionar temas sensíveis como o apoio compulsório à indústria naval e investimentos em siderurgia, que foram pontos de atrito com a mineradora há duas décadas. A intenção mal disfarçada é fazer da Vale uma financiadora de seu projeto desenvolvimentista, como se estatal ainda fosse.