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O respeito dos militares pela democracia

Apesar da trevosa era Bolsonaro, as Forças Armadas têm mostrado firme compromisso com a Constituição e com boas políticas públicas. É dever de todos preservar o bom histórico

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Por Notas & Informações
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Diante da inegável conivência de alguns militares com os atos de 8 de janeiro, ápice da aproximação, ocorrida ao longo dos últimos anos, de alguns setores das Forças Armadas com o bolsonarismo, tem sido frequente ouvir críticas simplistas às instituições militares, como se estivessem à margem dos limites constitucionais e necessitassem de uma generalizada reforma. Trata-se de avaliação injusta, que não corresponde aos fatos.

Na Presidência da República, Jair Bolsonaro – um mau militar, como acuradamente qualificou Ernesto Geisel – causou muitos danos às Forças Armadas. Nos quatro anos de governo, ele tentou de diversas maneiras desviar os militares de suas atribuições constitucionais; por exemplo, insistindo em que colaborassem nas manobras bolsonaristas contra a Justiça Eleitoral.

Tudo isso foi muito grave, com efeitos desastrosos em muitas áreas, e exigirá cuidadoso trabalho de reconstrução nos próximos anos. De toda forma, a contaminação de alguns militares com o bolsonarismo não foi fenômeno generalizado e, especialmente importante, não condiz com a atitude das Forças Armadas no período posterior à redemocratização do País. É um equívoco julgar as instituições militares pelo comportamento de alguns poucos nos últimos anos.

Em carta ao Estadão, a professora associada do Instituto de Química da USP Silvia Helena Pires Serrano lembrou um fato histórico que exemplifica a contribuição dos militares às políticas públicas nacionais. “Em maio de 1946, o vice-almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva (1889-1976), engenheiro de formação, então representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica do Conselho de Segurança da recém-criada ONU, propôs ao governo brasileiro a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa, o atual CNPq, quase destruído durante o último governo”, escreveu a professora. Diante de “fatos tão grotescos que nos encheram de tristeza e vergonha”, disse ela, referindo-se ao 8 de janeiro, “é sempre bom nos lembrarmos dos bons exemplos que fizeram e ainda fazem a diferença”.

Assim, não é correto tomar a desastrosa passagem do intendente Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde, onde contrariou as evidências científicas para obedecer cegamente ao comando delirante de Bolsonaro, como se fosse o padrão militar. Pelo contrário: a trajetória das Forças Armadas se identifica, entre outros muitos casos honrosos, com o vice-almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, lembrado pela leitora. Basta ver o prestígio acadêmico de que desfrutam o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Militar de Engenharia (IME), instituições criadas e mantidas pela dedicação e seriedade de gerações de militares.

As Forças Armadas têm mostrado um firme compromisso com a Constituição de 1988. Em novembro de 2015, em um momento de grave crise política, social e econômica, escrevemos neste espaço: “Não é raro pôr-se a culpa por boa parte dos males nacionais nas Forças Armadas, tendo em vista o período que o País viveu sob a ditadura militar. A falta de democracia, a censura, a tortura, o desrespeito aos direitos humanos não são coisas para se orgulhar. Reconhecer essa realidade não significa, no entanto, fechar os olhos ao fato de que, nas últimas décadas, se operou uma profunda e positiva transformação dos militares e de sua mentalidade. Entenderam o seu papel institucional dentro de uma democracia, sabendo deixar a condução do País à sociedade civil” (ver o editorial Os militares e a democracia, de 15/11/2015). Os anos de Bolsonaro no Palácio do Planalto podem ter turvado essa compreensão por parte de alguns, mas não apagaram o bom histórico das Forças Armadas, tampouco as profundas convicções democráticas da grande maioria dos militares. Fato especialmente significativo da constitucional submissão das Forças Armadas ao poder civil se deu com a criação do Ministério da Defesa, em 1999.

Entre outros pontos, o cuidado com o Estado Democrático de Direito exige não ignorar décadas de respeito à Constituição de 1988 por parte dos militares. A resistência ao bolsonarismo é precisamente preservar, e não desprezar esse bom histórico.