Embora o governo do Estado de São Paulo tenha aprovado em 2009 uma lei para ampliar o número de professores concursados e restringir o número de professores contratados em caráter temporário, a Secretaria de Educação, mais uma vez, está diante do dilema que a vem afligindo há dois anos. Se cumprir rigorosamente tudo o que a lei determina, a rede estadual de ensino básico ficará sem docentes em número suficiente para atender à demanda. Para evitar que o ano letivo seja comprometido, as autoridades educacionais têm de tomar medidas que infringem a lei. Por isso, na iminência do início das atividades escolares de 2011, previsto para a segunda semana de fevereiro, mais uma vez as autoridades educacionais apelaram para o jeitinho. Aprovada na gestão de José Serra, a lei de 2009 proíbe os funcionários contratados sem concurso de prestar serviços por mais de dois anos consecutivos. A medida visa a impedir a criação de vínculo empregatício e acabar com a enxurrada de processos judiciais abertos por docentes temporários, que pleiteiam direito à estabilidade. Mas, por falta de docentes concursados, a Secretaria Estadual de Educação pediu à sua consultoria jurídica que "reinterpretasse" a lei de 2009 - e o órgão emitiu parecer afirmando que nada impede que ela só "passe a valer" a partir de 2012. A rede estadual de ensino básico tem 115,9 mil professores efetivos; 73,9 mil docentes não concursados, mas com direito à estabilidade; e 28,7 mil temporários sem estabilidade. No último concurso público, foram aprovados 9 mil docentes, mas eles não foram efetivados até agora, porque o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial está questionando judicialmente o edital das provas.Apesar de ser uma aberração jurídica, a "reinterpretação" da lei de 2009 foi a única saída que as autoridades educacionais encontraram para assegurar a permanência, na rede de ensino básico, de 16 mil professores temporários sem estabilidade, cujo contrato não poderia ser renovado. Sem eles, não haveria como se iniciar as aulas. Graças a esse jeitinho, a Secretaria Estadual de Educação agora terá mais um ano para realizar novos concursos e ampliar o quadro de efetivos do magistério público. E, como consideram esse prazo curto, as autoridades educacionais já estão planejando outros expedientes. Um deles é tentar alterar a lei de 2009, por meio de um projeto que foi enviado às pressas à Assembleia Legislativa, no final de 2010, e não pôde ser votado em tempo hábil, por causa das eleições de outubro. Na exposição de motivos, as autoridades educacionais afirmaram que a lei de 2009 provocou "problemas" na rede escolar estadual. Essas mudanças abruptas na legislação, seja por meio de jeitinhos, seja por meio de emendas, mostram a falta de continuidade da política educacional no Estado de São Paulo. Há duas semanas, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin anunciou que vai mudar o regime de progressão continuada na rede pública de ensino fundamental. O sistema foi implantado em 1997, na gestão de Mário Covas, de quem Alckmin era vice-governador. A lei de 2009 que as autoridades educacionais pretendem mudar foi concebida durante o governo de José Serra, que pertence ao mesmo partido de Alckmin - o PSDB. E a principal medida adotada por Serra no setor educacional - o sistema de "valorização pelo mérito", que concede aumento salarial aos melhores professores e foi implantado no ano passado - poderá ser revogado, como o novo secretário da Educação, Herman Voorwald, já deu a entender. "Já determinei a elaboração de uma política salarial que faça com que a carreira do magistério seja atrativa. Não gosto da palavra meritocracia, Acho que ela está carimbada de forma equivocada", disse ele. É por causa dessa profusão de jeitinhos e da falta de continuidade da política educacional que a rede pública estadual continua oferecendo um ensino fundamental muito abaixo dos padrões de qualidade que se poderia esperar da mais rica unidade da Federação.