O ministro da Economia, Paulo Guedes, procura espaço para acomodar um gasto imprevisto de R$ 30 bilhões num orçamento inexistente. O orçamento é ainda imaginário, assim como o possível corte de gastos – fala-se em R$ 10 bilhões, talvez o dobro disso –, mas são reais as dezenas de milhões de pessoas atoladas na pobreza depois de extinto o auxílio emergencial. Reativar o auxílio, ou parte dele, é mais que uma questão de solidariedade. É um passo para reativar o consumo e animar a economia – e, para o presidente Bolsonaro, um gesto potencialmente importante para a reeleição, o foco principal de suas atividades.
Paródia do surrealismo, a atual política econômica brasileira dificilmente seria imaginada por André Breton, autor do Manifesto Surrealista, de 1924, ou por qualquer dos artistas e escritores ligados ao movimento. Quando o Orçamento deste ano for aprovado no Congresso, no fim de março ou começo de abril, a equipe do Ministério da Economia deverá ter avançado – se restar alguma prosaica normalidade – no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022.
Antes disso, em 22 de março, será preciso enviar ao Congresso o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, um acompanhamento regular da execução orçamentária e da evolução das condições fiscais. Esse documento mostra as condições fiscais e, quando se julga necessário, indica o bloqueio de despesas.
Esse bloqueio ocorre, com frequência, nos primeiros meses de cada ano. É medida de prudência, depois afrouxada, ou mesmo abandonada, quando as finanças do governo avançam de forma satisfatória. Mas esse é o procedimento rotineiro, quando a vida segue com normalidade e o governo também é normal.
Nenhuma das duas condições tem sido observada. Nem a vida é normal, afetada pelos danos sanitários e econômicos da pandemia, nem o governo segue padrões mínimos observados, tradicionalmente, na gestão pública.
O desvio dos padrões mínimos de normalidade foi visível desde o começo do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Formalizada a posse, em janeiro de 2019, o presidente ignorou as questões administrativas, desprezou a pauta de reformas e dedicou-se a facilitar o armamento da população civil, como se isso fosse tarefa urgente. Precisou dar alguma atenção à reforma da Previdência, prioridade herdada do governo anterior. Atrapalhou a tramitação, foi aconselhado a se calar e o empenho de parlamentares garantiu a aprovação do projeto.
A economia havia começado, nos dois anos anteriores, a recuperar-se da recessão de 2015-2016. Sem sustentar essa tendência, o governo fechou 2019 com crescimento econômico inferior ao de 2018. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou no primeiro trimestre de 2020. A pandemia, com efeitos sensíveis a partir da segunda quinzena de março, atingiu um país economicamente já enfraquecido.
O Banco Central estimulou o crédito rapidamente. O presidente Bolsonaro e a equipe econômica reagiram em seguida, com medidas de apoio a empresas, de defesa do emprego e de socorro aos mais vulneráveis. Brasília tomou, enfim, o caminho aberto pelos governos das economias avançadas e seguido, com apoio do Fundo Monetário Internacional, por mais de 80 países.
Diferentes condições financeiras permitiram diferentes graus de reação à crise. No Brasil foi alto o comprometimento de recursos fiscais. A economia reagiu, mas sobraram uma dívida pública muito inflada e um enorme desarranjo nas contas públicas.
A equipe econômica preparou o projeto de Orçamento de 2021 como se o crescimento estivesse assegurado, a pandemia devesse recuar e os 67 milhões de beneficiários do auxílio emergencial pudessem, de repente, dispensar aquele dinheiro. O presidente manteve um ministro da Saúde disposto a distribuir cloroquina e incapaz de planejar a vacinação. Fevereiro logo vai terminar, o governo continua sem Orçamento, as tarefas se amontoam, mal programadas, e a média móvel de mortes supera mil por dia, num balé confuso, sinistro e jamais concebido pela mais desatada imaginação artística.