Realizada nos dois últimos domingos em 104 cidades espalhadas pelo País, a primeira edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por meios virtuais surpreendeu pelos altíssimos índices de abstenção. A exemplo do que ocorre com a prova impressa, realizada nos dias 17 e 24 de janeiro, as notas do Enem digital são levadas em conta pelo Sistema de Seleção Unificada, que oferece vagas em universidades federais.
No primeiro dia da prova virtual, realizada em 31 de janeiro, compareceram só 34,5 mil dos mais de 93 mil inscritos – uma abstenção de 68,1%. Com um índice de 73,9%, São Paulo foi o Estado com o maior número de ausentes. Mesmo no Estado que registrou o menor número, o de Tocantins, a abstenção foi de 58,1% – um número preocupante. No segundo dia de prova virtual, realizada no último domingo, a abstenção foi de 71,3% do total de inscritos. Na aplicação da prova impressa, o Enem já havia apresentado uma abstenção de 51,5%, no primeiro domingo, e de 55,3%, no segundo. Esses números foram os mais altos desde a criação do exame, em 1998.
Na prova impressa, o altíssimo índice de abstenção decorreu de problemas logísticos elementares. Como o Ministério da Educação (MEC) não cumpriu as regras de distanciamento e não ofereceu instalações escolares em número suficiente para atender todos os inscritos, muitos alunos não puderam entrar nos locais das provas por causa da superlotação das salas de aula. Já no Enem digital o alto índice de abstenção foi ocasionado por dois fatos. Em primeiro lugar, as provas foram aplicadas apenas em algumas cidades, num país de dimensão continental. Assim, por residir em cidades distantes dos locais de prova e por causa da redução da frequência dos transportes coletivos, muitos inscritos chegaram depois que as portas já haviam sido fechadas. Em segundo lugar, como o sistema de informática travou em alguns locais, muitos não conseguiram acessar as perguntas e desistiram da prova.
Para evitar prejuízos para os inscritos que não conseguiram fazer as provas nas duas versões do Enem por problemas logísticos e para os alunos que enviaram laudos médicos provando que estavam doentes naquelas datas, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Enem, aplicará uma nova prova nos dias 23 e 24 de fevereiro, apenas na versão impressa. Essa é uma medida sensata, mas só resolve um problema meramente conjuntural.
O maior problema está no fato de que a área técnica do Inep deverá enfrentar mais dificuldades do que imaginava para fazer no prazo estabelecido as mudanças estruturais que vinha planejando para o Enem. Uma das ideias é extinguir em 2025 a prova impressa, que é composta por quatro cadernos de questões, com 45 perguntas cada um e uma redação, tornando a prova digital a única versão do Enem a partir de 2026. Outra ideia é deixar de realizar somente uma prova por ano, como ocorre atualmente, por causa das dificuldades logísticas, para aplicá-la diversas vezes em um curto período de tempo, aproveitando o desenvolvimento da tecnologia de comunicação.
Por mais que a área técnica do setor educacional do governo esteja trabalhando com afinco nessas mudanças, resistindo a pressões políticas e ideológicas do Palácio do Planalto, o fato é que a imagem do Enem sai bastante arranhada por causa dos problemas ocorridos neste ano. Foram tantos que incluem até uma polêmica alteração no gabarito das respostas com relação a duas questões que abordavam racismo. Por razões não explicadas, as respostas corretas foram substituídas por outras de viés ideológico. Mas, assim que o caso veio à tona, o MEC recuou e restabeleceu as respostas previstas.
Apesar de sua importância, o Enem, em suas sucessivas edições, sempre apresentou algum tipo de problema. Mas, diante da inépcia do governo Bolsonaro, era inevitável que esses problemas se multiplicassem, o que explica os assustadores índices de abstenção nas provas escrita e digital de 2020.