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Recuperação e retórica

Se previsões oficiais estiverem certas, o País continuará em posição desvantajosa

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Por Notas & Informações
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O Brasil está crescendo 7,3% neste trimestre, a recuperação é em V e a retomada nos próximos anos será firme e consistente, proclamou o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Mais otimista que a maior parte do mercado, a equipe do Ministério acaba de reafirmar projeções para este e para o próximo ano – contração econômica de 4,70% em 2020 e expansão de 3,20% em 2021. Mas o otimismo exibido em entrevista coletiva na terça-feira pode ser um tanto exagerado. Depois do tombo de 9,7% no segundo trimestre, a recuperação atual é insuficiente para tirar o País do buraco. Além disso, mesmo com expansão de 3,2% em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) continuará inferior ao de 2019.

Como o Brasil, muitos outros países deverão terminar o próximo ano sem ter zerado a queda de 2020. Vista desse ângulo, a posição brasileira poderá ser melhor que as de várias potências. Mas essa vantagem, se confirmada, será pouco relevante. Antes do novo coronavírus, a economia nacional já estava fraca. Seu PIB diminuiu 2,5% no primeiro trimestre. No ano anterior havia aumentado apenas 1,1%. A indústria já definhava antes da recessão de 2015-2016 e ainda perdeu impulso no primeiro ano do novo governo.

Neste momento, a perspectiva de 3,2% de expansão econômica no próximo ano pode até parecer animadora para muitas pessoas. Segundo o secretário Sachsida, essa estimativa é conservadora e o resultado efetivo poderá ser melhor. Mas falta explicar como se movimentará a economia. O desemprego poderá diminuir um pouco nestes meses finais de 2020, mas no começo do ano, como sempre ocorre, poderá haver um ajuste e muita gente voltará para a rua.

O auxílio emergencial, agora reduzido a R$ 300 por mês, será estendido até dezembro. Isso deverá proporcionar algum vigor ao consumo, principal motor da reativação desde maio. Nenhum membro da equipe econômica explicou, até agora, como se manterá o consumo em 2021, se a oferta de emprego continuar muito limitada.

Além disso, o governo terá de cuidar de suas contas com muito rigor, se quiser impor algum controle a seu déficit primário. Estímulos excepcionais, autorizados para uma situação de calamidade, terão de se encerrar em 31 de dezembro deste ano. Nessa altura a dívida pública estará próxima de 100% do PIB, segundo as estimativas correntes.

O Brasil se manterá, por esse endividamento, muito fora dos padrões considerados aceitáveis para uma economia emergente. Sem um claro e confiável compromisso de seriedade fiscal, será muito difícil, talvez impossível, manter os juros básicos num patamar confortável para o Tesouro e estimulante para os negócios.

Gente do mercado tem repetido essa advertência. O risco é bem conhecido da equipe econômica. Mas ninguém pode dizer com um mínimo de segurança se o presidente, cada vez mais concentrado na campanha pela reeleição, levará em conta esse tipo de problema. A projeção de crescimento em 2022 foi rebaixada de 2,6% para 2,5% pela equipe econômica. O novo número coincide com a mediana das projeções do mercado. Esses 2,5% correspondem, de forma aproximada, ao potencial de crescimento estimado para o Brasil num cenário de baixo investimento produtivo e de escasso dinamismo industrial.

Reformas poderão tornar o País mais produtivo e capaz de crescer mais velozmente. Isso se diz no mercado, na academia e também no governo. A referência a reformas foi repetida pelo secretário Sachsida na entrevista de terça-feira. Mas falta identificar, esmiuçar essas mudanças e mostrar como poderão afetar a economia.

A reforma administrativa discutida até agora tem componentes interessantes, mas é limitada. É preciso pensar em algo muito mais ambicioso para elevar a eficiência do setor público. Quanto à reforma tributária, o governo só encaminhou, até agora, uma proposta de fusão de dois tributos federais. Mas é indispensável cuidar dos enormes problemas ligados à tributação estadual. Sem isso, o discurso reformista é só palavrório, insuficiente para dinamizar a economia.

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