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O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|FMI, juros e governo sem plano

Cenários desenhados para a economia nos próximos anos ainda são deprimentes. E não se sabe como o governo do Brasil enfrentará as limitações econômicas

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Reclamar dos juros e atacar o presidente do Banco Central (BC) têm sido ações lucrativas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disfarçam a pobreza da política econômica, atraem apoio parlamentar e empresarial e podem, se o jogo avançar um pouco mais, facilitar sua intervenção na política monetária. Se isso ocorrer, o arsenal do populismo será enriquecido. Mas essa é uma briga perigosa para o País e para o governo. A inflação tem recuado, mas ninguém pode, com segurança, descartar o risco de um repique. As condições globais estão melhores do que há alguns meses, mas a geopolítica permanece inquietante e é cedo para celebrar a normalização dos preços e das finanças. O novo conjunto de riscos foi resumido pela vice-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, em “três verdades incômodas para a política monetária”. Incômodas também, pode-se acrescentar, para um governante pouco disposto, aparentemente, a aceitar os custos da austeridade e das políticas de ajuste.

As três “verdades” foram apontadas em discurso dedicado aos dirigentes de bancos centrais. A inflação está demorando a chegar às metas. Podem surgir tensões entre os objetivos de contenção dos preços e de estabilidade financeira. Efeitos econômicos da pandemia e da guerra na Ucrânia podem refletir-se em novas pressões inflacionárias e em novos problemas de formulação e de condução de políticas. Em todos os casos, a recomendação é seguir trabalhando pela normalização dos preços, mesmo quando seja indispensável cuidar de dois objetivos e ajustar os instrumentos e estratégias a novos desafios. Negligenciar o combate à inflação pode ter custos muito altos e implicar correções especialmente dolorosas.

Dirigentes e técnicos de bancos centrais podem discutir essas questões em todos os seus detalhes. Podem manter as políticas conhecidas ou formular novas estratégias e desenhar novos instrumentos, como fizeram, por exemplo, no último meio século. Especialistas em política monetária podem contribuir com dados e análises. Mas o bom senso manda evitar a sujeição dessas políticas a objetivos pessoais ou partidários de governantes, de outras autoridades e de grupos políticos ou econômicos. No balanço deste século e do anterior, os surtos inflacionários foram em geral menos duradouros e menos danosos nos países com bancos centrais autônomos. Esse grupo inclui as economias mais desenvolvidas, mais inovadoras e com melhores condições para a maior parte das famílias. A saúde monetária foi normalmente um fator de segurança e de previsibilidade nessas economias.

Mas a tarefa dos bancos centrais foi certamente facilitada, nesses países, por finanças públicas sustentáveis e pela confiança no poder público. O crédito do Tesouro favoreceu o financiamento do governo e a manutenção de juros baixos, ou, pelo menos, de juros inferiores àqueles encontrados em cenários menos seguros. Em todos os casos, políticas fiscais conduzidas com segurança e previsibilidade propiciaram segurança ao mercado financeiro e à vida empresarial.

Nenhuma economia – desenvolvida, emergente ou em desenvolvimento – é imune a crises. A história das mais avançadas inclui episódios de turbulência, de quebras e de sofrimento. Mas é caracterizada, também, por longos períodos de prosperidade associados à condução segura das contas públicas e à relativa estabilidade dos preços. Nessas economias, a predominância da estabilidade fiscal favorece gastos extraordinários, quando são necessárias ações emergenciais para a reativação econômica e a recuperação do emprego.

Todas essas condições ocorrem mais facilmente quando o valor da seriedade fiscal é parte do dia a dia. Se os cidadãos tendem a apoiar e a cobrar a gestão cautelosa do dinheiro público, os governantes podem ser estimulados, mais facilmente, à austeridade financeira. Não se trata, obviamente, de renunciar a investimentos de interesse público, mas de escolher prioridades.

Essa escolha pode ser favorecida por um debate público democrático, amplo e baseado em boas informações. A limitação dos meios, com frequência apontada em tom lamentoso por autoridades brasileiras, é um dado incontornável em todo o mundo. É sempre necessário renunciar a alguns objetivos, ao menos por algum tempo, e concentrar o trabalho nos fins considerados mais importantes ou mais urgentes.

Definição cuidadosa de prioridades é especialmente importante quando um novo governo começa a operar. Sem isso, é difícil evitar tropeços, desperdício de recursos, perda de tempo e insegurança para a administração pública e para os agentes privados. No Brasil, as projeções de crescimento econômico neste ano têm melhorado e já superam 2%, uma taxa ainda medíocre, mas os cenários desenhados para os próximos anos continuam deprimentes. Não se sabe como o governo enfrentará as limitações econômicas. Nenhum plano claramente desenhado foi proposto até agora pelo presidente, mais ocupado, nos últimos seis meses, em praticar populismo, brigar com o presidente do BC e viajar ao exterior.

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Opinião por Rolf Kuntz

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