EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A nova ordem econômica global e o Brasil

São muitas as suas consequências negativas sobre o País. Estarão elas sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica?

Foto do author Rubens Barbosa

Em termos econômicos, desde o fim da 2.ª Guerra, em 1945, o liberalismo se impôs, com a redução do papel do Estado e a força do livre-comércio e com a criação do FMI, do Banco Mundial e do Gatt (depois Organização Mundial do Comércio – OMC). A globalização, que aproximou países, empresas e pessoas, possibilitou a proliferação de acordos comerciais e o estabelecimento de cadeias produtivas baseadas na eficiência. O fim da URSS, em 1991, com a nova ordem baseada numa única superpotência, a entrada da China na OMC, em 2001, e a realocação das cadeias produtivas para a China confirmaram a ordem liberal.

A volta da China como potência econômica e comercial global trouxe o elemento geopolítico à cena econômica. Com Donald Trump, em 2017, são introduzidas medidas restritivas dos EUA contra a China, começam o esvaziamento da OMC e a perda de força das regras multilaterais de comércio. Essa tendência é agravada pela pandemia e, mais recentemente, pelo conflito Rússia/Ucrânia e pelas tensões entre China e Taiwan, acelerando a configuração de uma nova ordem econômica.

A nova ordem econômica mostra que a eficiência na definição de políticas econômicas é substituída por objetivos de segurança, soberania e poder. Evidências disso são o ataque ao livre-comércio, a negociação de acordos comerciais regionais (não bilaterais), a realocação das cadeias produtivas, o crescente número de restrições comerciais por razões políticas e a busca de autossuficiência.

A globalização passa por importantes ajustes com a descentralização das cadeias de produção, o aumento dos subsídios e do custo do transporte e a desorganização e os altos preços nos mercados agrícola e energético. Considerações sobre meio ambiente e mudança de clima passaram a ter impacto sobre as negociações comerciais. O nacionalismo, representado pelo fortalecimento das economias domésticas para conseguir uma autonomia soberana em áreas consideradas estratégicas, e a definição de novas políticas industriais nos EUA afetaram diretamente o liberalismo e o livre-comércio, gerando tensões, com impactos globais. O populismo fortaleceu o intervencionismo protecionista. Considerações de poder com base na segurança nacional passaram a influir na aplicação de controle de exportações como arma política, a exemplo das sanções, que incluíram, entre outras coisas, a limitação do comércio dos semicondutores, a retirada de empresas chinesas da Bolsa de NY e o congelamento de reservas.

Assim, a emergência da China e da Ásia como eixos de poder econômico, a disputa com os EUA e a guerra na Ucrânia podem levar a uma nova guerra fria, em outras bases, com divisão do mundo (Ocidente/Eurásia) não em função de disputa ideológica ou militar, mas econômica, tecnológica e comercial.

Em resumo, a nova ordem econômica está baseada na segurança de abastecimento, e não no just in time; na realocação das cadeias produtivas; na segurança energética; no controle de investimentos; na formação de blocos regionais; na utilização da moeda como arma geopolítica; e no mundo com crescimento reduzido e alta inflação.

Qual o impacto da nova ordem sobre o Brasil? Colocando a casa em ordem, com políticas econômicas que respondam com eficiência aos desafios internos de aumento da produtividade e competitividade, e com uma visão pragmática em relação às transformações econômicas e políticas que estão ocorrendo, poderíamos ser um dos beneficiários das novas circunstâncias internacionais.

A emergência da China e da Ásia, sob o aspecto econômico, foi muito favorável aos produtos agrícolas brasileiros que encontraram novos mercado e preços elevados, tornando o Brasil um dos três maiores exportadores mundiais de alimentos. A realocação das cadeias de produção poderá abrir oportunidades para o Brasil em nível regional, com investimentos em áreas de nosso interesse. O mercado de carbono, com a adequada proteção do meio ambiente, em especial da Floresta Amazônica, poderá representar ganhos financeiros significativos para empresas e para o País.

Este é o pano de fundo quando se diz que o mundo mudou, coincidindo com o início do novo governo. São muitas as consequências negativas da nova ordem econômica sobre o Brasil. Estarão elas sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica? Como enfrentar o enfraquecimento do multilateralismo, com a perda de relevância da OMC, deixando países como o Brasil sem proteção jurídica para o desrespeito das regras internacionais? Como enfrentar as restrições comerciais políticas, os altos custos, as transformações tecnológicas com o 5G e a inteligência artificial? Como serão respondidas as restrições às exportações brasileiras, sobretudo pela política ambiental em relação à Amazônia, assim como aquelas em razão da aprovação de nova regulamentação europeia de desmatamento? Como reduzir a vulnerabilidade, representada pela concentração das exportações em poucos mercados e produtos, e pela dependência dos semicondutores, fertilizantes e insumos farmacêuticos? E a política para a reindustrialização?

Estamos voltados aos temas do século passado, como a conclusão das negociações do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o ingresso na OCDE e o financiamento de projetos em países vizinhos. Acorde, Brasil!

*

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), FOI EMBAIXADOR EM LONDRES E WASHINGTON

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.