Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Sem obras para o crescimento

Governo tem pouca verba para investir e parte deverá ser gasta com armamento

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Estradas continuarão a esboroar-se em 2021, se a infraestrutura, já muito comprometida, depender de dinheiro federal para se recompor e, numa hipótese quase fantasiosa, voltar a se expandir e a se modernizar. A verba para obras e outros investimentos, estimada inicialmente em R$ 28,6 bilhões, ainda poderá encolher, por causa da expansão de gastos obrigatórios. Em 15 anos esse foi o menor valor previsto para a formação de capital fixo para uso público. Mais do que nunca, o Brasil depende do capital privado para projetos indispensáveis ao funcionamento do País – como rodovias, ferrovias, portos, estruturas de geração e distribuição de energia e sistemas de água e saneamento.

Investimentos em máquinas, equipamentos, instalações, habitação e obras de infraestrutura fortalecem a economia de duas formas. O efeito imediato ocorre pela mobilização de mão de obra, muito importante para o aumento do consumo, e pela demanda de equipamentos, como tratores e guindastes, e de materiais, como cimento, combustíveis, metais, vidros, plásticos e cerâmicas. O efeito mais duradouro ocorre pela expansão da capacidade produtiva e da eficiência geral. Com maior potencial, o País pode crescer mais velozmente, por vários anos, sem pressões inflacionárias e com menor risco de gargalos nas contas externas.

O baixo ritmo da economia brasileira, nos últimos dez anos, é em grande parte explicável pelo baixo investimento e pela baixa eficiência do capital aplicado pelo governo, com muito dinheiro desperdiçado em obras mal projetadas, mal fiscalizadas, superfaturadas e com frequência inacabadas. Além de investir mais que a administração pública, o setor privado tende a usar o dinheiro com eficiência muito maior, exceto, talvez, no caso de setores empresariais superprotegidos e favorecidos com grandes benefícios fiscais.

Mesmo com o esforço maior do setor privado, o valor total investido anualmente vem-se mantendo, em média, nos últimos 20 anos, na faixa de 17% a 18% do Produto Interno Bruto (PIB). Em outros países emergentes, incluídos vários latino-americanos, a razão investimento/PIB tem sido bem maior. Taxas iguais ou superiores a 24% do PIB foram encontradas com frequência, antes da pandemia, e indicadores ainda maiores têm sido observados nas economias mais dinâmicas da Ásia.

No Brasil, o custo do capital, a tributação disfuncional e a instabilidade de regras têm sido, tradicionalmente, importantes obstáculos ao investimento privado. Com a redução dos juros básicos, iniciada no fim de 2016, o capital ficou menos caro e pelo menos esse entrave foi reduzido. Outros fatores, no entanto, mantiveram a economia em marcha lenta a partir de 2014. O baixo ritmo de expansão e de modernização da indústria manufatureira foi uma das características desse período. O agronegócio, no entanto, continuou a investir, a modernizar-se e a ampliar sua presença no mercado internacional. Poucos segmentos da indústria – e o aeronáutico talvez seja o melhor exemplo – exibiram esforço semelhante de modernização e de busca de eficiência.

O setor público permaneceu amarrado e isso se agravou nos últimos dois anos. O Orçamento-Geral da União continua engessado, com despesas obrigatórias consumindo mais de 90% das verbas. Neste ano essa restrição deve aumentar. O aumento dos gastos com aposentadorias e outros benefícios previdenciários vai tornar mais comprimida a parcela de recursos para obras e outros gastos “discricionários”. O mais novo problema apontado pelos técnicos do governo é o aumento do salário mínimo. O reajuste para R$ 1.100, pouco maior que o previsto anteriormente, deve consumir R$ 11,6 bilhões a mais do que se previa na proposta orçamentária.

Além de escassa, a verba para investimento ainda estará parcialmente comprometida com gastos militares. Novos tanques e outros armamentos estão entre as prioridades, segundo orientação do presidente Jair Bolsonaro. Reformas e boa gestão poderão superar outros problemas. O problema Bolsonaro é mais complicado e muito mais grave.