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Tragédia anunciada no Pelourinho

Desabamento de forro do teto da ‘Igreja de Ouro’ evidencia estado de abandono do patrimônio nacional

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Por Notas & Informações

O desabamento do forro do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, centro histórico de Salvador (BA), terminou em dupla tragédia. Uma jovem paulista de 26 anos perdeu sua vida e o Brasil perdeu parte de sua história. Triste constatar que tais perdas poderiam ter sido evitadas não fosse o desmazelo com a preservação do patrimônio nacional.

Conhecida como a “Igreja de Ouro”, o templo data de 1708 e é um marco barroco reconhecido como patrimônio da humanidade há 40 anos. Desponta ainda como um dos principais pontos turísticos da Bahia.

Nada disso é fruto do acaso, mas de muito descaso com bens de valor histórico, artístico e cultural. Prova disso é que, assim como ocorreu com a “Igreja de Ouro” agora, a negligência tem acarretado danos incalculáveis ao País, como os causados pelos incêndios no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

No caso do patrimônio de Salvador, chama a atenção que vêm de longe os alertas para a deterioração do imóvel. Reportagem deste jornal de 2010 já denunciava problemas estruturais no prédio. Historiadores e especialistas cobravam havia anos medidas para a conservação dessa relíquia do Brasil Colônia.

Por meio de nota, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que, em 2022, notificou a Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, proprietária e responsável pela Igreja de São Francisco de Assis, sobre o mau estado de conservação do imóvel. O fato é que, de lá para cá, obviamente nada foi feito para evitar a tragédia, independentemente de quem seja o “vencedor” em um jogo de empurra que se revelou mortal.

O presidente do Iphan, Leandro Grass, afirmou que a instituição foi alertada do estufamento do forro, mas, segundo ele, o frei que deu o aviso não havia pedido urgência, como se o longevo e conhecido estado de degradação da igreja não demandasse ações imediatas. Uma vistoria estava marcada para o dia seguinte ao acidente. Tarde demais.

O governo federal tem frisado que a igreja pertence à Ordem Primeira de São Francisco, ou seja, trata-se de uma propriedade particular. Mas, nesse tristíssimo episódio, não há lugar para se eximir de responsabilidades, mas sim para ações que impeçam a ocorrência de novas tragédias. A Arquidiocese de Salvador, o governo federal e demais órgãos públicos devem respostas à sociedade.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, disse que, “unindo forças, nós vamos reconstruir essa igreja”. Não basta, pois há muito trabalho a ser feito. Apenas em Salvador, segundo a Defesa Civil local, há 2,7 mil construções históricas em risco. Enquanto isso, o presidente Lula da Silva afirmou ter “bronca” de tombamento; para ele, não basta tombar, é “preciso colocar dinheiro”.

Não menos importante, deve-se também cobrar o engajamento das esferas municipal e estadual, haja vista que, no caso de Salvador, a igreja e os casarões públicos ou privados são engrenagem da indústria do turismo local. Só quando todos assumirem suas responsabilidades haverá preservação e, quiçá, tragédias evitáveis como essa deixarão de se repetir.