Uma pesquisa feita pelos economistas Edmar Bacha e Guilherme Tombolo e pelo historiador Flávio Versiani pode mudar o paradigma das análises sobre a economia brasileira nos últimos anos. A partir da análise de indicadores sobre o desempenho do País no século 20, os especialistas chegaram à conclusão de que o crescimento verificado nesse período não foi tão acelerado quanto se imaginava. O Brasil teria apresentado um crescimento médio anual de 4,9% entre 1900 e 1980, inferior aos 5,7% da série estatística atualmente aceita e mais próximo da média mundial para o período, de 3,2%.
O motivo dessa diferença estaria em alterações metodológicas promovidas em 1969 pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Responsável pelas estimativas do PIB entre 1947 e 1980, a instituição teria superestimado o peso da indústria na economia; em paralelo, teria reduzido a contribuição dos serviços no cálculo geral entre 1947 e 1967 e excluído o setor das contas nacionais entre 1968 e 1980. O trabalho de Bacha, Tombolo e Versiani sugere que o crescimento entre 1947 e 1980 teria sido, na verdade, de 6,2% em média, em vez dos 7,4% até então aceitos – um desempenho que não é ruim, mas que certamente é menos brilhante.
Ao dar maior importância à contribuição das atividades produtivas no cálculo do PIB, historicamente mais dinâmicas que as ligadas a serviços, a FGV pode ter contribuído com a narrativa do “milagre econômico” alardeada pela ditadura militar. Em suas pesquisas, Bacha não encontrou evidências documentais de que a metodologia tenha sido alterada em razão da relação de proximidade entre o regime e a FGV, mas é incontestável que o desempenho da economia sustentou o apoio de uma parte da sociedade à ditadura ao longo da década de 1970, a despeito da inflação elevada – e que tal desempenho continua a ser politicamente explorado como atestado de eficiência até hoje por alguns políticos.
Há duas consequências ligadas ao fato de a participação da indústria ter sido superestimada na economia brasileira. A primeira é que o século 19 pode ter tido um crescimento maior do que se supunha – puxado pela contribuição do agro, sobretudo o setor cafeeiro, e pelo setor público, com a transferência da família real para o Brasil. A segunda é que o milagre pode ter contribuído para gerar uma outra “ilusão estatística”: a consistente estagnação verificada desde a década de 1980, muito ligada à desindustrialização. A economia brasileira, portanto, seria muito mais estável e menos sujeita a ciclos do que os indicadores apontavam, assim como seus desafios, muito mais profundos, antigos e resistentes do que as crises revelaram.
O milagre ajudou a reforçar a visão de que a reindustrialização é fundamental para impulsionar a economia e gerar empregos. Passados quase 50 anos, os investimentos no setor são escassos e os parcos e iniciais sinais de recuperação têm dado indícios de insustentabilidade perante o potencial da economia. Por outro lado, a liderança, em termos de produtividade, há anos pertence ao agronegócio, e, se o PIB cresceu a taxas medíocres no passado recente, elas teriam sido ainda menores não fosse o agro. Os serviços, por sua vez, padecem de uma produtividade pífia em razão da baixa qualificação e escolaridade do trabalhador, mas ainda são fonte de renda da maioria dos brasileiros.
Soluções para todos esses problemas históricos precisam partir do melhor diagnóstico possível, e isso certamente passa por estudos como o de Bacha, Tombolo e Versiani. Ao refinar os indicadores econômicos, a pesquisa pode ajudar a desconstruir conceitos dogmáticos arraigados sobre o desempenho da economia e sobre a relevância – ou não – de alguns segmentos para o resgate do crescimento. Em vez de selecionar setores para liderar essa recuperação, o presidente que vier a ser eleito deveria apostar suas fichas no aumento da produtividade, do nível de escolaridade e da qualificação dos brasileiros, objetivos intrinsecamente ligados e que deveriam liderar a lista de prioridades do novo governo.