Por 14 votos a 11, a comissão mista do Congresso que analisa a Medida Provisória (MP) 870, sobre a reforma administrativa do governo de Jair Bolsonaro, decidiu retirar do Ministério da Justiça e Segurança Pública o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), devolvendo-o para o Ministério da Economia. Trata-se de importante revés para Bolsonaro e um de seus principais ministros, Sergio Moro.
O Coaf centraliza informações sobre suspeitas de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e financiamento de atividades criminosas ou terroristas, e sua manutenção no Ministério da Justiça era considerada “estratégica” pelo ministro Moro, conforme ele mesmo havia dito em audiência na Câmara um dia antes de sofrer a derrota no Congresso. Com a ida do Coaf para a esfera de Moro pretendia-se integrá-lo ao esforço conjunto do Ministério da Justiça, do Ministério Público Federal e das Polícias Federal e estaduais no combate à corrupção. Ou seja, sob Sergio Moro, todos esses órgãos seriam braços de uma espécie de força-tarefa contra corruptos, ampliando a musculatura da força-tarefa da Operação Lava Jato - da qual o hoje ministro Moro fez parte como juiz federal, em Curitiba.
Muitos dirão que a decisão da comissão do Congresso de retirar o Coaf do Ministério da Justiça visa justamente a enfraquecer o trabalho da Lava Jato, o que supostamente interessaria a muitos parlamentares encalacrados na Justiça. Na mesma linha, outra decisão da comissão do Congresso, que exige autorização judicial para que auditores da Receita Federal compartilhem indícios de crime de corrupção e lavagem de dinheiro com o Ministério Público, foi vista por representantes da Lava Jato como prejudicial a seus propósitos e favorável aos políticos corruptos.
É muito fácil especular sobre más intenções dos políticos a respeito da Lava Jato, mas o fato é que excesso de poder costuma levar a abusos, como tantas vezes se constatou desde que a operação anticorrupção foi deflagrada. Por essa razão, seja lá qual tenha sido a verdadeira motivação dos políticos que derrotaram o governo nessa votação, o resultado é um bem-vindo freio no ímpeto de transformar parte do Estado em aparelho da Lava Jato.
A rigor, nada muda. O Coaf continuará a fazer seu trabalho como sempre, e é preciso recordar que esse órgão esteve no centro das investigações que desmontaram os esquemas do petrolão e do mensalão - ou seja, foi eficiente mesmo sem estar sob o comando do ministro da Justiça. Já em relação aos limites impostos aos auditores da Receita, trata-se de necessária prudência no tratamento de dados sigilosos, que obviamente não poderiam ser divididos com ninguém sem autorização de um juiz.
Do ponto de vista político, a quinta-feira foi um desastre para o governo. Não foi apenas mais uma derrota a se somar à já extensa coleção governista; foi uma pancada dolorosa, porque atropelou sem piedade o “superministro” Moro - que admitiu que o governo falhou na articulação política. “Nós conversamos, dialogamos, tentamos explicar. Aparentemente, não fomos bem-sucedidos”, disse o ministro. Já o Major Olímpio (SP), líder do PSL (partido de Bolsonaro) no Senado, resumiu melhor a derrota: “Estou me sentindo o goleiro do Brasil no 7 a 1 contra a Alemanha”.
O mais espantoso foi que a goleada ocorreu porque o governo não se empenhou para proteger os interesses do “superministro” Moro, pois o único objetivo do Palácio do Planalto era aprovar o que restou da MP 870. Convém lembrar que Bolsonaro já havia feito concessões, como a recriação dos Ministérios das Cidades e da Integração Nacional, com vista a obter os votos do “centrão” - o grupo de partidos que, quando candidato, Bolsonaro qualificou de “a nata do que há de pior no Brasil”.
Assim, Moro começa a perceber a diferença entre seu trabalho como juiz, cujas sentenças tinham de ser cumpridas, e como ministro, cujo poder depende do respaldo do presidente, de habilidade política e de apoio parlamentar. Sem nada disso, Moro é apenas uma marca de prestígio a representar um governo despreparado para entregar o que prometeu.