O Estado informa que o governo pretende entregar ainda nesta semana ao Congresso um ambicioso pacote de reformas para tentar sanear as contas públicas de forma sustentável. Desse conjunto de medidas constam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial para frear o crescimento dos gastos obrigatórios do Orçamento; uma PEC para desengessar o Orçamento, abrindo espaço para investimentos públicos; uma reforma administrativa destinada a acabar com a estabilidade de novos servidores públicos e reduzir o número de carreiras e o salário inicial dos funcionários; um pacto federativo, que proceda a uma nova divisão de recursos de Estados e municípios; e um projeto de ajuda a Estados à beira do colapso fiscal – governadores poderão decretar “estado de emergência fiscal” e, assim, congelar reajustes salariais e reduzir jornada e salários.
No papel, trata-se de uma revolução. Ninguém há de negar a urgência de todas essas medidas, ainda que se possa discutir detalhes aqui e ali. Há muito tempo o engessamento do Orçamento em razão de vinculações e obrigações constitucionais tem impedido o investimento público em áreas cruciais como saneamento e infraestrutura. Tampouco se pode ignorar que é preciso uma ampla mudança no serviço público, para acabar com privilégios e racionalizar a administração. Não menos importante é rever a distribuição de recursos entre a União e os entes subnacionais, grande parte dos quais se encontra sem condições de prestar adequadamente os serviços atribuídos pela Constituição.
Ao propor todas essas medidas de uma só vez, contudo, o governo sinaliza preocupante descolamento da realidade. É difícil imaginar que o Congresso incluirá em sua pauta e aprovará esse imenso conjunto de reformas sem uma ampla e desgastante negociação, que provavelmente não cabe no escopo de um único mandato. Do modo como está sendo feito, o encaminhamento do pacote sugere que, para o Palácio do Planalto, não há alternativa ao Congresso senão chancelar aquilo que o governo decidir que é melhor para o País, sem necessidade de diálogo. Foi assim na tramitação da reforma da Previdência, que foi aprovada por vontade das lideranças do Congresso, praticamente sem participação dos governistas – que, ao contrário, em muitos momentos mais atrapalharam do que ajudaram.
A realidade, portanto, é bem menos panglossiana do que o governo parece acreditar. Recorde-se que, enquanto a reforma da Previdência arrastava-se no Congresso, em larga medida graças à inabilidade política do governo, outras reformas igualmente urgentes ficaram em compasso de espera. Até agora, por exemplo, não se sabe qual é a reforma tributária que o governo pretende aprovar. Além disso, o Palácio do Planalto atrasou o envio de uma prometida reforma administrativa, o que deve adiar sua apreciação pelo Congresso para o ano que vem. “Tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e comissão especial. Vai votar no início do ano que vem. Ué, o que eu posso fazer? Se o governo tivesse encaminhado em julho, eu votaria neste ano”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Assim, há uma distância colossal entre o que o governo diz desejar para o País e aquilo que o governo faz para implementar essa agenda. Além da lentidão na proposição de reformas e de outras medidas econômicas, observa-se um persistente desinteresse do presidente Jair Bolsonaro em organizar uma base parlamentar sólida para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do País. Ao contrário, o presidente Bolsonaro tem colaborado diretamente para implodir o próprio partido, o PSL. Sua única preocupação parece ser a de manter uma base eleitoral mínima que lhe permita ser um candidato competitivo à reeleição, e para esse fim não se importa em desidratar reformas, para não abespinhar eleitores, e atirar antigos aliados ao mar.
Num quadro desses, é preciso muito otimismo para acreditar que este governo seja capaz de implementar um “novo regime de responsabilidade fiscal”, como definiu o ministro da Economia, Paulo Guedes. Melhor seria respeitar a realidade e encaminhar medidas factíveis, muitas delas sem necessidade de mudanças constitucionais, para destravar o desenvolvimento do País. No cenário atual, isso já seria revolucionário.