Por Isabelle Moreira Lima
Não restam dúvidas: um dos embates do século no que diz respeito à vinicultura se dá entre a prática biodinâmica e os pesticidas. E, nesta saga, são incontáveis os personagens e capítulos e há sempre alguma novidade.
Dessa vez, o personagem central da polêmica é o produtor francês Thibault Liger-Belair. Dono da vinícola que leva seu nome na Côte D’Or, ele está sendo processado por “se recusar a usar medidas de proteção” contra a flavescência dourada, infecção bacteriana transmitida por parasita, que pode reduzir drasticamente a produtividade das videiras e até matá-las.
Se for considerado culpado pagará multa de 30 mil euros e enfrentar até seis meses de prisão. Por que o produtor se recusa a usar defensivos? Ele alega que não há sinais da doença em um raio de 30 km de sua propriedade e portanto não há motivo para usar químicos.
Biodinâmico. O produtor italiano Stefano Bellotti se libertou de pesticidas no vinhedo. Mas perdeu classificação DOCG, a mais alta na Itália. FOTO: Divulgação
Na Itália, os vinicultores biodinâmicos também andam aguerridos. Stefano Bellotti, produtor de vinhos no Piemonte e estrela do documentário “Natural Resistance”, de Jonathan Nossiter, sobre a vinicultura biodinâmica, deu um passo ousado contra o uso de pesticidas: resolveu lançar mão de novas culturas em vez de usar agentes químicos em sua Cascina Degli Ulivi. Mas se deu mal.
Plantou pêssego, amêndoas, mostarda e maple perto de seus vinhedos para conseguir um ambiente mais balanceado e evitar pestes e doenças. Passou ainda a criar galinhas e patos para que comessem ervas daninhas que pudessem prejudicar o parreiral. O resultado disso? O produtor perdeu o direito de usar o selo DOCG (dominação de origem controlada e garantida), a mais alta na Itália, sob a justificativa de que não produzia uma única cultura. Suas videiras, portanto, não configurariam mais uma vinícola.
Bellotti, no entanto, viu a extinção de seu selo com outros olhos. “O fato de eu ter me liberado destas histórias de controles, parâmetros e protocolos me dá uma grande sensação de leveza. Tenho certeza de que meus vinhedos expressaram autenticidade, eu não preciso de carimbo. Hoje, vendo mais como Stefano Bellotti do que como DOCG”, afirmou em entrevista por e-mail ao Paladar.
Para Bellotti, 56 anos e jeitão hippie, os pesticidas são armas de destruição”. “As consequências para a saúde dos homens, plantas e animais são agora conhecidas por todos, não existe qualquer sombra de dúvida.”
A escolha das culturas vizinhas a seu parreiral foi baseada em “intuição e senso prático”. “A videira é uma trepadeira em sua natureza botânica e gosta de viver com as árvores. Além disso, a vinha é uma planta extremamente terrestre, por isso, gosta de viver com plantas mais aéreas e solares para se balancear.”
Apesar dos embates jurídicos serem uma grande dor de cabeça, a sobrevivência financeira e a burocracia impõem os maiores desafios aos produtores de vinhos biodinâmicos, de acordo com o italiano. “Nossa grande vantagem é o gosto. Uma vez que se experimentam nossos produtos, não se pode voltar atrás. Uma marca pode ser falsificada, um gosto e um terroir nunca.” Ele diz ser a prova viva de sua teoria. Não consegue mais beber vinhos convencionais. “Não por fascismo, mas porque o meu corpo diz não”, garante o italiano.
PARA ENTENDER O CASO FRANCÊS
Na primavera de 2013, o governo francês determinou que todos os produtores de vinho da Borgonha usassem pesticidas para combater a flavescência dourada.
No caso mais emblemático dos biodinâmicos versus pesticidas, o francês Emmanuel Giboulot se recusou a seguir as regras e usar o químico Pyrevert argumentando que não havia infecção em seus vinhedos ou na sua região. Ele afirmou também que os pesticidas poderiam matar insetos benéficos para sua produção.
Com isso, correu os mesmos riscos de seu compatriota Thibault Liger-Belair: seis meses de prisão e 30 mil euros. Ao fim de uma longa batalha na justiça, foi julgado culpado, mas teve de pagar apenas mil euros – os quais recuperou 50% em recurso judicial.
A agricultura biodinâmica abomina o uso de pesticidas, fungicidas e fertilizantes químicos por acreditar que o solo é um organismo vivo e que precisa de um ecossistema adequado. No lugar desses produtos, a prática, que também leva em consideração o movimento da lua e das estrelas, usa insetos, microorganismos, ervas e minhocas.