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Comida

O dono da Casa do Saulo

Saulo Jennings abriu um restaurante de comida tapajônica para 20 pessoas há 15 anos, hoje defende a cozinha brasileira como Embaixador Gastronômico da ONU

CHEF SAULO. Foto: Tiago QueirozFoto: Tiago Queiroz

Saulo Jennings abriu o primeiro restaurante na varanda de casa. Em 10 anos, transformou o espaço com cinco mesas em um salão para atender 400 pessoas.

O chef é o dono da Casa do Saulo, referência gastronômica no Norte do Brasil, com filiais operantes no Rio e em São Paulo.

Aprendeu a trabalhar sabores com o pai, que amava cozinhar. Em seus restaurantes, contudo, a operação é comandada prioritariamente por mulheres.

É formado em administração e cozinha por intuição. Só no ano pasado recebeu um prêmio de Chef do Ano e foi eleito 1º Embaixador Gastronômico da ONU.

Nesta entrevista, o chef nascido em Santarém, no Pará, defensor da culinária amazônica, conta um pouco de sua trajetória — que inclui ainda a responsabilidade pelos eventos gastronômicos mais importantes do atual governo.

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Você abriu a Casa do Saulo há 15 anos, como começou essa história?

Trabalhei 12 anos em uma multinacional, aí fiquei desempregado e não sabia o que fazer. Tinha acabado de fazer uma casinha de praia pra mim e de abrir uma escola de kitesurf. Quando terminava a aula, eu costumava cozinhar para os alunos. Acabou que a comida fazia mais sucesso que as aulas. Os amigos começaram a demandar, pedir para eu abrir um restaurante. Disse a eles que só se fosse na varanda da minha casa. E assim foi. Abri o restaurante informalmente, de camisa no ombro, um fogão de duas bocas que meu pai me deu e um isopor com peixe. Atendia cinco mesas. Nem precisei pensar no nome, todo mundo começou a chamar o lugar de Casa do Saulo.

São quantos restaurantes atualmente?

Tenho a matriz, a Casa do Saulo Tapajós, em Santarém, no Pará, onde tudo começou; outro em ma pousada minha. Um em Belém, o Quinta de Pedras, o Onze Janelas, que é o mais turístico de todos. Um dentro de um hotel que eu comprei em Alter do Chão. Outro no Rio de Janeiro, dentro do Museu do Amanhã. E o de São Paulo, o sétimo, inaugurado no ano passado. Todos com a mesma cozinha, com a mesma história. Muda um pouquinho o cardápio, eu vou me adaptando ao local. Os ingredientes, a base, toda amazônica, é a mesma. Inclusive, os ingredientes vêm todos de um frigorífico nosso.

Como define sua cozinha?

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É uma comida tapajônica, paraense e amazônica. Porque a Amazônia é muito grande. Tem vários países dentro dela, literalmente. A paraense se torna uma culinária também que é a junção de todos os microbiomas locais. Tem o microbioma das ilhas do Marajó, microbioma do Xingu, microbioma do Nordeste paraense e do Oeste do Pará, que é a região do Tapajós, com peixes que só existem lá.

"A Amazônia é muito grande. Tem vários países dentro dela, literalmente" Foto: Tiago Queiroz / ESTADÃO

Qual é a principal atração gastronômica dessa região?

A piracaia, que não é um prato, é um ato cultural que eu que transformei em prato. Ao pé da letra, piracaia significa peixe no fogo. É um ato cultural que remete ao hábito de pescar o peixe na beira do rio e assá-lo ali mesmo no fogo. Fazer um fogo no buraco da praia, no moquém, assar apenas com pimenta, sal, limão, farinha e cachaça. Servir no remo da canoa, sempre com música. É uma festa! Reproduzo esse ritual na matriz do Tapajós. No restaurante em São Paulo, transformei o ato e um prato: peixe assado na churrasqueira da cozinha, servido com farinha, banana assada, vinagrete de feijão de Santarém e arroz servido em tábua de madeira.

Qual é a sua relação com a cozinha?

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Comecei a cozinhar com meu pai, que era eletricista. Ele cozinhava muito bem. Um autodidata. Via ele na cozinha, cercado de amigos, e enxergava beleza naquilo. Somos em quatro irmãos, uma casa de homens e meu pai é que me ensinou a cozinhar. Nunca tinha pisado em uma cozinha profissional quando comecei a servir os amigos na varanda de casa. Esse formato durou três meses e logo tive que aumentar o espaço para atender mais pessoas. Aquele puxadinho brasileiro, sabe? Saí de 20 lugares pra 400 lugares em 10 anos.

"Quanto maior eu for, mais pessoas estarão bem. A floresta estará melhor. As pessoas que fornecem alimentos pra mim são as mesmas que mantêm a floresta em pé". Foto: Tiago Queiroz / ESTADÃO

Como foi a expansão para os outros restaurantes?

Com 5 anos de restaurante lotado, achei que estava totalmente errado, que não sabia cozinhar, tava perdido. Foi aí que procurei uma escola de gastronomia que eu pudesse fazer em módulos. Me indicaram a do Laurent Suaudeau. Meu grande mestre, um cara decisivo na minha vida, que me disse que eu estava no caminho certo e me mandou continuar.

Açaí vendido em São Paulo é igual ao do Norte?

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Você esteve entre os chefs convidados para o jantar de posse do presidente Lula e segue cozinhando para ele até hoje, certo?

Esse governo fez algo que ninguém havia feito: abrir as portas para a culinária brasileira. Fiz vários eventos neste governo: Cúpula da Amazônia, Cúpula do Mercosul, Encontro G20, COP 28 Dubai… Conheci o Lula em Belém durante a campanha. Temos um amigo em comum, o Padilha (ministro Alexandre Padilha). Lula provou minha comida e gostou.

Qual é o peso de servir comida brasileira para o mundo?

É muito importante fazer parte desse momento. O presidente solicitou ao Itamaraty que as embaixadas fora do Brasil também servissem comida brasileira. É o projeto “Brasil e Sabores”. Hoje sou representante do meu povo, sabe? Não só do meu povo da Amazônia, mas do povo brasileiro. Aí começaram a me chamar de embaixador da culinária brasileira. E, com isso, a ONU conheceu e reconheceu meu trabalho. Desde o ano passado sou Embaixador do Turismo Gastronômico da ONU.

Dá mais trabalho ser embaixador ou capitanear um restaurante?

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Como embaixador da ONU viajo o tempo todo e, para isso acontecer, conto com uma equipe muito boa e um restaurante bem organizado.

"Só entro em restaurante meu pela cozinha, a cozinha é meu lugar". Foto: Tiago Queiroz / ESTADÃO

Do que mais se orgulha no seu trabalho?

O que mais me orgulha no meu restaurante são as pessoas. As pessoas que pescam, as que extraem e as que plantam. Nem dá para falar que trabalho com pequenos produtores, porque hoje eles são grandes, se uniram em cooperativas para se tornar grandes.

Sua brigada na cozinha é composta por uma maioria de mulheres; as sous chefs de suas casas são mulheres, com excessão da Casa do Saulo paulistana.

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Sou louco por mulheres, né? Minha mãe, principalmente. Sou fã número um do que ela é, do que ela significa. Porque tem pulso, mas tem delicadeza. Homem não conhece esse equilíbrio entre ter pulso e ter delicadeza. Só a mulher tem isso.

Qual é o maior desafio em ser um ativista nesse momento apocalíptico?

Aprendi com meu ativismo que tinha de ir mais pelo amor do que pela dor. A culinária e o turismo podem mudar muitas vidas. A culinária não é só o que se coloca na mesa. Ela se torna produtos. Pode estar em supermercados, em distribuidoras. Pode ser um produto inovador pro mundo. E que pode mudar uma geração e uma região. O desafio hoje é esse: fazer com que as pessoas olhem que existem outros modelos de negócio interessantes. Sou prova de que dá para ser grande com sustentabilidade. Quanto maior eu for, mais pessoas estarão bem. A floresta estará melhor. As pessoas que fornecem alimentos pra mim são as mesmas que mantêm a floresta em pé.

Você tem tempo de cozinhar?

Claro, especialmente quando tem evento, estou no comando mesmo. Do cardápio à operação na cozinha. Todo restaurante que eu chego, só entro pela cozinha. A cozinha é o meu lugar.

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