O telefone toca uma, duas vezes, e quem atende é d. Canô, tranqüila, de sua casa em Santo Amaro, na Bahia. "Ah, minha filha, fale mais alto. Está uma barulheira aqui. Tem políticos em casa", diz a matriarca da família Velloso. Quando não são os políticos são os filhos, vizinhos, netos ou outros amigos, sempre muitos. É assim que d. Canô gosta de ver o casarão: cheio, em festa, com reuniões familiares e mesas fartas. Veja também: Confira receitas de Dona Canô Nessas ocasiões uma profusão de aromas costuma sair da cozinha. Tem caruru, vatapá, maniçoba, beiju, frigideira de maturi, feijoada, farofas, moquecas, arrozes, bolos e compotas. São pratos e sabores que temperam as conversas ao redor da mesa, os brindes e os almoços que invadem a tarde. E agora recheiam as páginas de O Sal é um Dom: Receitas de Mãe Canô, escrito pela filha Mabel Velloso (Ed. Nova Fronteira e Corrupio, R$ 69,90). Com cem receitas típicas do recôncavo baiano, a obra vai além das memórias gustativas de Mabel. Traz também suas lembranças, os costumes e até as superstições da família Velloso à mesa. "A beleza do livro não está no extraordinário, mas na simplicidade de minha vida ao lado de minha mãe e irmãos", diz Mabel. Cozinheira exímia, d. Canô ensinou tudo que sabe aos filhos (são oito) e a Isaura, seu braço direito há mais de 40 anos. "Agora estou aposentada", diz a matriarca, que completou 101 anos no dia 16 de setembro. "Quando tem um almoço ?superior? vou provar, saber como está. Mas quem faz tudo com gosto e prazer é a Isaura." Azeite-de-dendê, camarão seco, castanhas e leite de coco não faltam na despensa, assim como as frutas frescas colhidas no sítio, usadas em sucos e doces. O que não tem na roça é comprado na feira de Santo Amaro, como a farinha de mandioca, encomendada sempre por Caetano e Bethânia, ou os mariscos, preferidos de Mabel. Mas d. Canô atualmente come pouco. Café com leite e um pedaço de pão pela manhã. Sopa e mais uma xícara de leite à noite. O almoço é sua principal refeição. Ela adora feijoada e peixes. Rejeita apenas fígado e siri. E as sobremesas? "Ah, os doces, sempre fiz muitos. Mas não gosto. Às vezes como um pirulito de açúcar queimado para compensar a falta de açúcar." E qual é o melhor alimento para a alma, d. Canô? "Crer em Deus, minha filha."