
Uma estrada sem fim
O universo das variedades de uvas é quase inesgotável. Até mesmo para um profissional com décadas de atuação no setor não é raro se deparar com alguma casta inédita na taça e, mais importante, a expressão desta traga algo igualmente algo novo.
Para se ter ideia da extensão do tema, apenas no livro Wine Grapes, de Jancis Robinson e José Vouillamoz, são descritas 1.368 variedades viníferas utilizadas em escala comercial. Isto significa que se poderia passar quatro anos provando diariamente um vinho varietal diferente sem repetir uma cepa sequer. Na era do engajamento com pertencimento destaca-se a iniciativa The Wine Century Club, cujo requisito para ser aceito é comprovar que já provou vinhos de mais de 100 variedades distintas. Claro que também se pode ostentar tal conquista com camisetas, broches e outros acessórios.
Mas o assunto pode ser mais profundo e sério. Escrevo aqui de um café em Lanzarote, uma das ilhas das Ilhas Canárias, território espanhol mas mais próximo da costa africana. Além de um carnaval que não deixa nada a dever aos principais carnavais de rua do Brasil (espero sobreviver), as ilhas produzem vinhos e vivem um momento de hype nos bons restaurantes e bares de vinhos pelo mundo. Alguns meses atrás Jancis Robinson publicou um artigo em seu site descrevendo Lanzarote como uma ilha vulcânica excepcional e caprichosa, com cenários lunares.
As videiras são escavadas em meio a areia negra, com profundidade que pode chegar a 3 metros. Esta "cova aberta” é feita para proteger as plantas dos ventos e maresia, além de ajudar na retenção de água. E aqui voltamos ao tema central. Alberto González Plasencia, enólogo e proprietário da vinícola Timanfaya, é um dos mais experientes de Lanzarote comentou: “Em 2024 tivemos 60mm. de água no ano; é nada. O rendimento em Lanzarote ficou perto dos 500kg de uvas por hectare (o normal ainda é muito pouco), mas quando observamos a malvasía volcánica, uma variedade autóctone, foi a única que mostrou resistência para produzir com maior consistência”.
Alberto González Plasencia, enólogo e proprietário da vinícola Timanfaya
A malvasia vulcânica é nativa de Lanzarote e um cruzamento da malvasía aromática e marmajuelo, outra variedade local. Mesmo com videiras com mais de 200 anos de idade, o vigor e a produção se destacam nos anos de clima mais austero. No momento atual das pesquisas locais, chegam a 19 o número de castas autóctones das Ilhas Canárias.
Em um cenário de extremos climáticos a cada novo ano, as variedades autóctones mostram melhor resiliência para produzir seus frutos e garantir uma produção minimamente estável para o produtor. Outra consequência natural é o incentivo às expressões mais diversas na taça, o que agradecemos. Ainda na Espanha, nem a tempranillo está livre de críticas. E aqui uma crítica de peso: Peter Sisseck. “Os extremos climáticos em Ribera del Duero têm dificultado o amadurecimento da tempranillo, honestamente tenho preferido a garnacha, acredito que terá um grande futuro”. Ainda assim os vinhos com denominação de origem de Ribera del Duero exigem o mínimo de 75% de tinto fino (tempranillo).
Peter Sisseck e Marcel Miwa: os efeitos dos extremos climáticos para tempranillo em Ribera del Duero
Assim, prepare o vocabulário para buscar por mais peverella, babic, trepat, touriga franca, savagnin, carricante, país (ou criolla ou listán prieto) e acredite que é o melhor que cada lugar pode produzir. E, sim, a Borgonha continuará por um bom tempo como templo da chardonnay e da pinot noir, da mesma forma que Bordeaux terá como excelência as cabernets e a merlot. Apostem suas fichas.