
Vinho coringa: tenha essa carta sempre à mão
Harmonizar vinhos com comidas é um dos grandes deleites dos enófilos e de quem leva a boa mesa a sério. Dá-se uma espécie de alquimia quando achamos a combinação perfeita. As leis da física gustativa são desafiadas: não é apenas o alimento que melhora e o vinho que melhora, mas uma nova dimensão se abre. Há uma satisfação mágica nesses casamentos que nenhum dos elementos poderia trazer sozinho. Um mais um pode ser igual a três, quatro, cinco...
Maravilhoso, não é verdade? Só que existe um porém: achar uma harmonização dessas frequentemente exige esforço, tempo e um ambiente em que isso faça sentido. Na vida real, nem sempre é o que acontece. Às vezes – muitas vezes, na verdade – queremos só desfrutar de algumas taças bebericando com amigos ou com a família despreocupadamente.
Em alguns casos precisamos pegar uma garrafa para um encontro sem nem ter decidido ou sido informado sobre qual será a comida. Em outros até sabemos, mas não há disposição ou agenda para correr atrás do que poderia ser o rótulo perfeito. Há ocasiões em que serão servidas muitas comidas diferentes e não haveria um vinho que casaria com todas elas. Por fim, algumas situações são tão descontraídas e informais que ninguém vai prestar atenção demais nem no vinho e muito menos em uma eventual harmonização. Basta algo gostoso que não brigue muito com o prato que será servido. E é bom que seja assim. Tudo tem hora e lugar.
Nesses momentos o que você precisa ter à mão é um vinho “coringa”, o melhor amigo para o dia-a-dia do enófilo.
Aquelas garrafas que são tão versáteis que podem combinar satisfatoriamente com muitos pratos - e que, mesmo quando não combinam tanto assim, pelo menos não brigam com quase nenhuma comida.
Os vinhos coringa geralmente são leves, possuem boa acidez, são fáceis de beber e não apresentam nenhuma característica marcante demais. Nenhum excesso de madeira, de extração de fruta ou de taninos, por exemplo.
A maior vocação para coringa certamente é dos rosés. Eles podem combinar com pizza, saladas, frutos do mar, salmão, carnes de diversos tipos, tortas, quiches, crudos, comida árabe, mexicana, francesa, japonesa e o que mais você conseguir imaginar. Rosés escuros e encorpados vão bem com carnes vermelhas e pratos fortes; rosés clarinhos e leves com comidas delicadas e aperitivos.
Compre seu exemplar do Guia dos Vinhos 2024/2025 na Amazon
É possível que você não acerte demais com um rosé. Mas é improvável que erre feio. Isso já não seria verdade, por exemplo, com um tinto complexo e extraído, seja um malbec argentino, um cabernet chileno, um shiraz australiano ou um corte bordalês. Esses caldos seriam proibitivos para acompanhar quase qualquer coisa de frutos do mar, por exemplo. São tão ricos e concentrados que a comida desapareceria e ainda deixaria um desagradável gosto metálico na boca – um efeito colateral que muitas vezes dá as caras quando juntamos tintos encorpados e peixes.
Além dos rosés, tintos leves, vinhos laranjas, brancos encorpados e alguns espumantes também podem ser bastante versáteis e fazer o papel de coringa. Os tintos muitas vezes leves e refrescantes de Beaujolais, feitos com a uva gamay, são também notórios coringas: mesmo que não brilhem sempre, costumam funcionar razoavelmente com muitas comidas. Se você tiver uma ideia do que será servido já pode optar por uma dessas soluções com boa probabilidade de não fazer feio.
Vinhos coringa do Guia
Vamos então a uma seleção de dez vinhos coringa peneirada deste Guia. Uma lista para ter à mão e resolver qualquer problema de harmonização rápida e descomplicada, ainda que sem grandes pretensões.
-
O lado mais convencional deste rosé é o visual salmão intenso. A partir daí são (boas) surpresas. Fruta vermelha cristalizada, especiarias (baunilha) e terroso na boca, retrato da passagem por barricas de carvalho. É encorpado, fresco e sério.
-
Crasto Douro Rosé 2023
Um rosé de referência em Portugal em sua faixa de preço, bastante equilibrada e versátil para a mesa. De visual salmão de média intensidade, apresenta aromas de nectarina doce, leve tutti-frutti e ameixa. Em boca, apresenta-se mais sério e seco do que o nariz sugere, com acidez correta e boa intensidade. -
Esporão Monte Velho Rosé 2022
Este rosé da Esporão, no Alentejo, nasce de um blend de uvas tintas e o resultado é um vinho frutado, com notas de licor de cereja, frutinhas vermelhas mais maduras e ervas do campo. Agradável no paladar, leve, limpo, fresco. -
Tiberi La Torre 2021
Uma boa introdução aos chamados vinhos laranja (vinhos brancos macerados com as cascas). Visual dourado intenso, com aromas de laranja cristalizada, fermento de pão, maçã madura e cera de abelha. Estruturado, mas sem excesso, tem taninos na medida e com alguma delicadeza, bom frescor e toque de ervas no final. -
Carter Mollenhauer La Palma Sémillon 2020
Videiras de sémillon centenárias e não irirgadas dão origem a este branco que macera por nove meses com as cascas (visual leve alaranjado), o que explica a presença de taninos finos. Além das frutas brancas contidas, o nariz se destaca pelas especiarias, como mostarda, gengibre, pimenta branca e páprica. Na boca a mescla ácido-salgada provoca uma sensação umami, chamando para um novo gole da taça. Uma curiosidade a ser provada. -
Berthier L'Instant Pinot Noir 2020
O nome “L’instant” sugere um período definido de tempo. Um momento, talvez, de provar este pinot noir de estilo frutado e média concentração. A cereja fresca está presente, junto com um toque de pão tostado e ervas frescas. Leve na boca, com toque de acidez cítrica, impõe uma intensidade maior de fruta, com mais cereja madura. Tanino fino e bom frescor final. -
Caves Velhas Catedral Reserva Dão 2021
Um exemplar da região do Dão de estrutura leve, fácil de beber, com fruta limpa na boca, tanino discreto, frescor e uma tênue sensação secante no final. Melhor em boca do que no nariz, que insinua resinas, xarope de ervas, fruta negra fresca e um intrigante toque de vermute. -
Aurora Extra Brut
Corte de chardonnay, pinot noir e riesling itálico, mostra um estilo que marca diferença dos espumantes do Rio Grande do Sul. O perlage fino e intenso abre caminho para a fruta branca de caroço (jambo), talco, flores brancas, casca de limão confitada. Na boca, leve amêndoa confeitada com um final de pão tostado com cítricos. -
Amitié Brut Rosé
Este espumante rosé tem cor clarinha, e predomina os aromas de fermento de pão, caju e lima – uma bela combinação na taça. Tem perlage intenso e um paladar fresco e limpo, com grapefruit e cítrico amargo. Interessante e de boa complexidade em sua faixa de preço. -
Domaine Antoine Lienhardt Gamayoptère 2020
Visual rubi claro com leve turbidez, sem afetar a integridade do vinho. A vinificação semi-carbônica permite boa expressnao da fruta, vermelha e ácida (morango e framboesa), com toque terroso e de pnao tosatdo. Na boca a acidez está no primeiro plano, com frutas frescas e tanino com toque verde no final (vinificação com cachos inteiros).* Preços indicados pelos produtores e importadoras em julho de 2024 (Guia 2024) e junho de 2023 (Guia 2023)