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Mastroianni, o bom de garfo

Marcello era entusiasta da mesa e usou os talheres em muitos filmes. O grande ator adorava feijão. ?O prato age sobre ele como flauta sobre serpente?, disse a colega e amiga Sophia Loren

Mastroianni, o bom de garfoFoto:

Em um divertido capítulo do livro de receitas In Cucina con Amore, publicado em 1971, a atriz cinematográfica italiana Sophia Loren afirmou que seu patrício e colega de vários filmes Marcello Mastroianni (1924-1996) era louco por feijão. E usou essa predileção gastronômica para dar uma sugestão às fãs do personagem de La Dolce Vita, de 1960, dirigido por Federico Fellini, e outros grandes sucessos cinematográficos. "Se vocês têm dificuldades de chegar perto do ator, porque foge ou está excessivamente ocupado, convidem-no para uma refeição à base de fagioli con le cotiche." "É um prato que age sobre ele como flauta sobre a serpente." Na tradução brasileira, também lançada em 1971 pela Edições Bloch, do Rio de Janeiro, o nome do prato ficou engraçado. Obviamente, fagioli virou feijões. Mas "cotiche", a pele do presunto cru, tornou-se "rabo de porco". É iguaria do Lácio, onde se encontra Roma - Mastroianni nasceu na região, em Fontana Liri, a menos de cem quilômetros da capital italiana. O grande ator nunca escondeu a preferência pelo feijão, que vinha da infância. Quando aparecia no restaurante Da Mario, um dos seus favoritos, situado na Via Della Vite, 55, em Roma, especializado em cozinha da Toscana, pedia fagioli al fiasco, ou seja, feijões colocados dentro de uma garrafa com água e temperos, cozidos lentamente no banho-maria. Em Nápoles, ele saboreava pasta e fagioli, a trivial massa com feijões. Já em Arpino, também no Lácio, cidade natal do escritor, filósofo e político Marco Túlio Cícero, os folhetos turísticos promovem o prato típico segne (tipo de lasanha) e fagioli con i ruschi (aspargos selvagens), afirmando ter sido "favorito de Mastroianni". O aplaudido ator era bom de garfo e manejou os talheres em muitas cenas. Por sinal, a comida foi tema central de um de seus filmes antológicos: La Grande Boufe, de 1973, dirigido por Marco Ferreri. No Brasil, a fita recebeu o título de A Comilança. O enredo é sugestivo. O piloto Marcello (ele próprio), o juiz de direito Philippe (Phillipe Noiret), o diretor de TV Michel (Michel Piccoli) e o cozinheiro Ugo (Ugo Tognazzi) se instalam numa velha mansão do interior com o propósito de acabar com suas vidas durante uma orgia gastronômico-sexual. Armazenam uma grande quantidade de ingredientes e contratam três prostitutas. Na última hora, incorpora-se ao grupo a professora primária Andréa (Andréa Ferréol). A imprensa especializada viu nessa comédia de humor negro a supervalorização da comida e do sexo e uma crítica às futilidades da sociedade de consumo. Todos os que conheceram pessoalmente Mastroianni testemunharam o prazer que lhe dava a comida simples e bem feita. Suas receitas prediletas, além das que levavam feijão, eram as de massa e à base de bisteca. Apreciava igualmente a vodca, pura e gelada. Enquanto bebericava, fumava cigarro sem filtro. Arturo Guatelli, por muito tempo correspondente em Paris do Corriere della Sera, de Milão, registrou a extrema devoção do ator à culinária italiana. "Não se deixava seduzir pelos molhos franceses, nem pelo cardápio sofisticado dos grandes restaurantes", escreveu o jornalista em 1996, após a morte do ator. "Suas preferências eram todas pelos alimentos genuínos (da terra natal)." Empenhava-se em mantê-los autênticos. A abertura do primeiro McDonald''s, na Piazza di Spagna, de Roma, em 1986, provocou sucessivos protestos populares. Os italianos achavam que "o modo de comer à americana", com as pessoas comprando um hambúrguer no balcão e andando pela rua a mastigá-lo, lambuzando-se de maionese e catchup, ameaçava seu tradicional convívio à mesa. Mastroianni aderiu a uma das manifestações, saboreando diante do McDonald''s um "provocante" spaghetti. No mesmo artigo, Guatelli rememora o jantar ocorrido anos antes em Paris, no pequeno restaurante La Table d?Italia, situado na Rue de Seine, no qual acompanhou Mastroianni. O guloso ator pediu fatias de mortadela e depois um prato de massa. A certa altura, a dona do estabelecimento colocou na vitrola um disco de lambada - o vibrante gênero musical brasileiro que fazia sucesso na Europa da época - e tirou Mastroianni para dançar. Como não havia espaço interno, os dois rebolaram na quase deserta Rue de Seine, indiferentes à chuva fina que caía e ao frio intenso do inverno. Guatelli classificou a cena de "vagamente surrealista" e "muito felliniana". Uma pequena multidão se formou na calçada e aplaudiu o desempenho do casal. Qual o prato que teria impulsionado Mastroianni "como flauta sobre a serpente"? Pasta e fagioli, informou a dona-bailarina. PARA OS INGLESES, ERA CAKE Fagioli com le cotiche 4 porções Ingredientes 300g de feijão rajado; 4 bons pedaços da pele grossa que reveste o presunto cru (cotiche); 2 fatias de presunto cru cortadas em cubos; 3 talos de salsão bem picados; 1 dente de alho picado; 4 talos de cebolinha verde bem picados; 4 colheres (sopa) de salsinha picada; 3 colheres (sopa) de manjericão picado; 300g de tomates sem pele e sem sementes, bem picados; sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto Preparo Ponha o feijão de molho em água fria por toda a noite. No dia seguinte, escorra a água. Lave bem a pele do presunto e ponha de molho em água fria, por cerca de 2 horas, depois escorra e cozinhe em água fervente por 15 minutos. Escorra novamente e corte a pele em pequenos pedaços. Em uma panela, ponha o feijão e junte água fria, o suficiente para cobrir bem os grãos. Acrescente a pele do presunto e cozinhe tudo, até o feijão ficar macio. Se for necessário, junte água quente durante o cozimento. Nos últimos 10 minutos, tempere com sal. Coe o caldo e reserve. Em uma panela, de preferência de barro, leve ao fogo os cubos de presunto, o alho, a cebolinha verde, a salsinha, o manjericão e frite por cerca de 10 minutos. Adicione os tomates (sem o suco), mexa e deixe em fogo médio por uns 15 minutos. Incorpore o feijão e misture bem. Ponha uma ou duas conchas de caldo, tempere com pimenta, ajuste o sal e cozinhe em fogo médio por mais uns 20 minutos, com a panela tampada.

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