Depois de encerrar a sua participação na primeira temporada do reality show Mestres do Sabor (Rede Globo) em 2020, o chef Caio Soter se viu obrigado a fechar as portas do Alma Chef, restaurante do chef Felipe Rameh em que ele chefiava a cozinha em Belo Horizonte (MG). Passado o período crítico da pandemia, Soter estava decidido a se mudar para São Paulo. “Estive aí algumas vezes para olhar imóveis e quase fechei um que ficava na Barra Funda, perto do (restaurante coreano) Komah”, lembra ele.
A ideia era abrir um restaurante na capital paulista dedicado à comida mineira. Soter chegou a se reunir com os arquitetos que ficariam encarregados do projeto, mas nem tudo saiu como planejado. “Umas três horas antes de assinar o contrato, o proprietário do imóvel me ligou dizendo que recebeu uma proposta de compra e que não ia mais alugar”, conta o chef.

Embora tenha voltado para casa cabisbaixo, a tristeza não durou muito. Além de sentir o peso de deixar para trás a terra natal, a sua amada Belo Horizonte (MG), naquela mesma semana um conhecido lhe ofereceu o ponto do restaurante que havia acabado de fechar. Soter viu aquilo como um sinal. “Eu pensava que se fosse para São Paulo, eu poderia colocar um holofote maior em cima da cozinha mineira. Depois eu entendi que o meu trabalho seria o oposto, trazer as pessoas para cá”, diz o chef.
Segundo Soter, a cena gastronômica belorizontina vive a sua adolescência. “Nós temos grandes restaurantes que estão no mesmo nível de São Paulo e do Rio, mas temos pouca diversidade. Não há dezenas de restaurantes japoneses incríveis, por exemplo. Aqui tem dois, no máximo. Mas o setor está se desenvolvendo”, acredita ele.
Essência mineira

Considerado um dos talentos da gastronomia mineira, Soter tem uma trajetória impressionante - para não dizer meteórica. Formado em ciências políticas e direito, ele atuou como advogado tributário durante anos - a cozinha era um hobby. Ingressou na área por meio de uma marca dedicada ao dry aged (técnica de maturação de carnes), a Umami Steaks, que abriu ao lado de seu amigo de infância, Guilherme Piancastelli. E começou a participar de eventos e fornecer para chefs como Fred Trindade. Mas foi Felipe Rameh, outro chef de destaque da cena local, que o levou de vez para a gastronomia, ao convidá-lo para assumir a cozinha do Alma Chef, em 2019.
Na época em que participou do reality show da Globo, Soter tinha apenas um ano de dedicação integral à gastronomia. Durante o período no Alma Chef, ele começou a tatear o que seria a sua cozinha autoral, que ele apresenta no Pacato - aberto em setembro de 2021. “Foi o primeiro restaurante de alta gastronomia da cidade a não servir nada com frutos do mar”, conta o chef, que tem como objetivo trazer a essência da cozinha mineira para o seu trabalho autoral.
Os menus degustação servidos no Pacato são divididos por temporadas, que duram cerca de um ano. No primeiro, Soter se debruçou sobre a cozinha de quintal, a raiz da culinária mineira que “é baseada no porco, no frango e em hortaliças como couve, taioba e ora-pro-nóbis”, define ele. No ano seguinte, o menu elaborado pelo chef teve como inspiração a cozinha do Vale do Jequitinhonha. E a temporada atual é dedicada ao queijo minas artesanal, que em dezembro passado teve o seu modo de fazer reconhecido como patrimônio cultural e imaterial pela Unesco.
Elementos do queijo

Batizado como “queijo: vida e tempo”, o menu degustação (R$ 330,60, por pessoa), servido de quarta a sábado no jantar, é composto de oito etapas dedicadas ao produto elaborado com leite cru. “A gente conhece a receita tradicional, mas em cada etapa do processo a gente tem um mundo de possibilidades”, define o chef, que destrinchou os elementos do queijo em seus pratos.
Enquanto o “pingo” (extraído do queijo produzido no dia anterior e composto de bactérias lácticas, que conferem personalidade ao queijo minas artesanal) é utilizado na fermentação da focaccia do couvert, a massa fresca de leite cru (uma espécie de pré-queijo), de textura cremosa e sabor neutro, é servido como acompanhamento do cará na manteiga queimada, com glace de cebola e sal grosso de pingo. Já o mofo, que é encontrado nos queijos da região do Serro (MG), é inoculado no jiló e, após alguns dias, é revestido por uma camada esbranquiçada, que lembra a cobertura do queijo brie - chega à mesa com molho de mostarda e limão-cravo.
Além do queijo minas artesanal, Soter também utiliza laticínios feitos de leite pasteurizado, que são produzidos na indústria mineira. É o caso do queijo D’Alagoa e o queijo prato Bola, variação do queijo do reino produzida pela Queijos Vitória, em São João del-Rei (MG), que são utilizados no preparo do aligot de raízes, que serve de acompanhamento para o leitão caipira com molho de doce de leite fermentado com cachaça. Queijo mesmo é servido apenas no final, na companhia de café e petit fours.
As opções variam de acordo com a disponibilidade, mas, vez ou outra, surgem opções como o queijo Luiza, produzido pela Ribeiro Fiorentini em Governador Valadares (MG) e o queijo do Miguel, em São Roque de Minas (MG).
O menu degustação dedicado ao queijo estará em cartaz até o final de março. E Soter ainda está definindo qual será o tema do próximo. A conferir.
Pacato
Rua Rio de Janeiro, 2735, Lourdes, Belo Horizonte (MG); (31) 9 8324.8736; Instagram: @pacatobh.
* Reportagem viajou a convite do Governo do Estado de Minas Gerais.