Os potes de alumínio de cremes Rugól faziam parte da rotina de skincare das mulheres brasileiras antes mesmo de essa expressão existir no vocabulário popular. Mais de 100 anos se passaram e a marca continua nas prateleiras das brasileiras, agora com embalagens coloridas e de plástico. O segredo para a marca perdurar é justamente o equilíbrio da tradição com essa modernização, afirma o diretor e sócio do Laboratório Aclimação Mateus Enrique Argentieri, 29.
O fabricante original do creme Rugól era o Laboratório Alvim & Freitas, fundado há 106 anos, em 1919. Hoje se chama Laboratório Aclimação e foi comprado em 1988 pelos sócios Oleibe Anna Dal Mas Margato e Misael Margato. Mateus Argentieri é sobrinho deles e assumiu o comando da empresa em 2020.

Segundo ele, o desafio é reestruturar a estratégia de comunicação da companhia para evitar cair no esquecimento dos consumidores.
O mercado de beleza brasileiro movimentou US$ 27 bilhões de dólares em 2024, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) e Statista. No mesmo ano, o País também se consolidou como o terceiro maior lançador de produtos do segmento.
“É um mercado que está sempre crescendo, tem muita concorrência. Então as empresas precisam se atentar aos novos comportamentos de mercado”, afirma Patrícia Zuccari, consultora de Negócios do Sebrae-SP.
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A nova fase da companhia já deu resultados: no ano passado, a Rugól e a Epilê, principais marcas do Laboratório, ganharam 20 mil seguidores no Instagram, atingindo 37,2 mil e 50,8 mil perfis acompanhando as contas na rede social, respectivamente. No período, 50 milhões de pessoas foram atingidas pelas publicações das marcas.
Além dos números, a marca passou a ser lembrada – de forma orgânica, ou seja, sem parcerias e impulsionamentos – em vídeos e resenhas online de influenciadoras do segmento de beleza.
“Fazemos parcerias recorrentes com criadores de conteúdo e influenciadores, mas focamos mais no orgânico por ser mais leve e natural, sem cara de ‘publi’”, afirma o empresário.
Memória afetiva como estratégia de marketing
“Minha mãe usava”, “minha avó usava” são frases comumente usadas ao falar do produtos da Rugól nas redes sociais.
Esse discurso, crê Argentieri, é fruto de uma estratégia de comunicação que busca relacionar a marca com a memória afetiva das brasileiras. “Favorece uma boa aceitação”, avalia.
No TikTok, um dos vídeos publicado no fim de 2024 ultrapassou 70,2 mil visualizações e 3 mil curtidas. Nele, a usuária mostra uma publicação que comenta o uso do creme da Rugól a partir de uma indicação da avó, que mantém o produto na rotina de cuidados com a pele há 60 anos. Nos comentários, há dezenas de depoimentos similares.
Argentieri diz que a empresa passou por uma época de estagnação na comunicação, enquanto o mercado continuava crescendo. Os consumidores fieis foram mantidos, mas o empresário percebeu a necessidade de atingir novos públicos.
“A estratégia foi especialmente aumentar a nossa presença digital. Resgatamos a imagem dos consumidores fieis para mostrá-la a possíveis novos consumidores, que ainda não nos conheciam, buscando também um público mais jovem.”
Tradição do creme Rugól é ‘bênção e desafio’
O creme Rugol tinha um jingle famoso: “As rosas desabrocham com a luz do Sol, e a beleza das mulheres, com o creme Rugól”, dizia um verso da canção publicitária. É possível encontrá-lo pela internet, como no vídeo abaixo:
Ao mesmo tempo em que a tradição é uma boa propaganda, é um ponto sensível para a marca. “São 106 anos de existência, é uma marca extremamente tradicional, sensível a mudanças. É um grande desafio porque, há 30 anos, o Brasil não tinha o mercado de cosméticos que tem hoje; há muitas alternativas tanto nacionais quanto internacionais. Então, ao mesmo tempo, precisamos nos atualizar e manter a mesma qualidade”, avalia Argentieri.
O empresário admite que também houve mudanças nas fórmulas: “Os insumos vão se atualizando, mas sempre visando manter um aspecto parecido. Se mudar do dia para a noite, os consumidores não aceitam.”
Os produtos da Rugól mais vendidos são o creme de beleza tradicional (que promete reduzir rugas e linhas de expressão), o creme multifuncional com FPS (para proteger do sol e prevenir os sinais de envelhecimento) e o creme de alface (que propõe hidratar a pele com ação calmante e anti-inflamatória). Este último é feito com uma vitamina proveniente do vegetal. “Sensacional descoberta de beleza”, dizia um anúncio do início da marca.
Óleo de Rosa Mosqueta atrai mais jovens
Mesmo com as atualizações, a Rugól permanece com o objetivo de atingir mulheres a partir dos 50 anos. Já a Epilê, criada em 1991, é voltada para o público dos 25 aos 45 anos. Enquanto a primeira tem a comunicação afetiva e tradicional, a segunda tenta ser “amiga e jovial”, descreve Argentieri.
No Instagram, o destaque dos stories intitulado “Quem usa” reúne vídeos de clientes mostrando as encomendas online. Os produtos cor-de-rosa chegam em uma caixa com corações estampados, brindes e uma cartinha assinada pela marca, acompanhada de um cupom de desconto – práticas comumente usadas por novas marcas no mercado.
Já influenciadoras do ramo de beleza expõem, por meio da ferramenta, os “recebidos”, presentes oferecidos pela marca em troca de divulgação. Os consumidores da marca, assim como a Rugól, são 95% mulheres.
O maior sucesso da Epilê é o óleo de rosa mosqueta, usado para reduzir manchas, marcas de cicatrizes e estrias e hidratar pele e lábios. Além dele, o gel creme facial e o gel de limpeza. Nas plataformas de venda, a marca destaca que é vegana e sem testes com animais.

Empresa espera crescer 20% com novos produtos em 2025
A empresa não divulga o seu faturamento, mas indica a venda de cerca de 3 milhões de produtos anualmente, com 60% das vendas sendo provenientes da marca Epilê e 40% da marca Rugól. Em 2025, é esperado um crescimento de 20%. O preço dos produtos de ambas as marcas varia de R$ 25 a R$ 70.
O Laboratório Aclimação possui duas sedes, ambas em São Paulo: a principal é no bairro Cambuci. Há também um escritório no bairro Paraíso, dedicado à estrutura administrativa.
Os produtos são comercializados em todos os estados do Brasil, sendo 80% das vendas realizadas no varejo físico (perfumarias e farmácias) e 20% on-line (no site próprio das marcas, além de marketplaces de cosméticos).
O laboratório estava se reestruturando internamente até o último ano, tanto em relação aos processos quanto à equipe, que hoje conta com 57 colaboradores, 63% mulheres.
Agora, pretende ampliar sua participação em feiras internacionais e se aprofundar em pesquisas de tendências de mercado e necessidade das mulheres brasileiras para aumentar o portfólio de produtos.
Para manter a tradição, o desenvolvimento de novos produtos vai continuar usando ativos naturais da biodiversidade brasileira, como o óleo de rosa mosqueta e o óleo de girassol.

Avaliações de clientes
A Rugól tem nota 4,5 de 5 no Google. Das 52 avaliações, apenas duas deram a pior classificação para a marca (uma estrela) – uma das usuárias justificou a nota por uma dificuldade de rastrear o pedido e, posteriormente, de realizar o cancelamento, mas não especificou o canal de compra. Três deixaram duas estrelas, alegando dificuldade de encontrar os produtos para comprar.
Já a Epilê tem apenas 2 avaliações, ambas com a maior classificação da ferramenta, nota 5.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, comentários positivos ou negativos podem ser uma ação a favor ou a contra a empresa.
Manter tradição não é suficiente, diz consultora; veja tendências
A consultora de negócios do Sebrae-SP Patrícia Zuccari entende que apenas a tradição não é suficiente para uma empresa se manter atualmente.
“É preciso também buscar inovação. Ao ficar apenas no tradicional, a marca pode acabar perdendo mercado. É importante sempre estar atento a novos potenciais clientes e às tendências do segmento.”
De acordo com a especialista, as principais tendências do setor de beleza são:
- Autocuidado: “Em uma economia mais enxuta, as pessoas cortam o supérfluo: clínicas de estética, salão de beleza, e preferem investir em produtos para cuidar de si em casa”, explica.
- Saúde mental: “Produtos que aliviam o estresse, como kits de spa dos pés, na área de beleza e cosméticos, por exemplo”.
- Longevidade: “A expectativa de vida está aumentando, as pessoas estão envelhecendo e querem ficar bonitas, se sentir bem.”
O skincare, afirma Zuccari, “veio para ficar”. Os produtos sustentáveis, sem testes em animais, com embalagens que buscam agredir menos o meio ambiente tornaram-se uma exigência, avalia: “Não é mais tendência, é realidade.”
No entanto, não adianta seguir todas as tendências: é preciso que o empreendedor, ao abrir ou reestruturar um negócio, aja de acordo com um planejamento estratégico.
Esse plano precisa considerar o nicho de clientes que a marca deseja atingir, a partir de um estudo da segmentação e precificação de produtos adequados para ele. “Sempre deve ouvir o cliente”, orienta a consultora.
É preciso também tomar cuidados em relação às regulações necessárias para o segmento de cosméticos e beleza em território nacional. “Exige muita regulação, sempre da Anvisa e, a depender do lugar, de outros órgãos também”, destaca.