Empreender depois dos 60: Um guia para aposentados que buscam realização e renda extra

Consultora destaca a importância do planejamento, das ferramentas digitais e da experiência para quem deseja abrir um negócio na maturidade

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Foto do author Adele Robichez

Empreender na terceira idade pode ser uma alternativa tanto para aqueles que buscam uma nova realização profissional quanto para quem precisa complementar a renda. Segundo Rosiane Moreira, consultora de negócios do Sebrae, o setor de serviços é o que mais atrai esse público, especialmente nas áreas de consultoria, treinamento e artesanato.

“Pessoas com mais de 60 anos costumam ter mais maturidade para tomar decisões e menos medo de arriscar”, afirma Moreira. Para ela, não há impedimentos quanto aos ramos escolhidos por empreendedores dessa idade: “Mais do que nunca, é importante empreender em algo que traga satisfação”, diz.

Amauri Raizer (à esq.) e Laiza Menezes alcançaram realização profissional e renda extra com empreendedorismo. Foto: Arquivo Pessoal e Feira O Fuxico

De acordo com a especialista, que promove eventos e reuniões com participantes da economia prateada (para pessoas a partir dos 50 anos) no Sebrae, as áreas em que essa faixa etária mais se envolve são:

  • Consultoria e treinamento
  • Educação
  • Artesanato e trabalhos manuais
  • Serviços personalizados, como organização e consertos

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Independentemente do setor, um bom planejamento é fundamental para minimizar riscos em fases mais delicadas da vida, como a terceira idade. “Analisar o mercado, pesquisar a concorrência e estruturar um plano de negócios ajuda a reduzir riscos”, diz Moreira. Ela destaca que um planejamento eficiente inclui:

  • Pesquisa de mercado: entender a demanda e os concorrentes
  • Estratégia de marketing: definir como atrair clientes
  • Planejamento financeiro: calcular investimento, faturamento e capital de giro
  • Organização operacional: estruturar processos para garantir eficiência

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Apesar de não terem crescido com a internet, os empreendedores idosos podem aproveitar as plataformas digitais para alavancar seus negócios. “As ferramentas estão cada vez mais amigáveis. O importante é estar aberto a aprender e usar o digital a seu favor”, explica a consultora.

Cursos online e tutoriais gratuitos ajudam a entender redes sociais, marketplaces e até inteligência artificial. Além disso, algumas plataformas já adaptam suas interfaces para facilitar o uso por públicos menos familiarizados com a tecnologia.

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O Sebrae e outras instituições oferecem cursos e consultorias gratuitos para ajudar novos empreendedores. “Ter acesso a informações e conhecimento atualizado faz toda a diferença”, afirma Moreira. Existem programas específicos voltados para quem deseja empreender após os 60 anos, inclusive dentro da entidade.

Além disso, o networking é essencial em qualquer fase da vida, mas pode ser um diferencial ainda maior para empreendedores 60+.

“Manter contato com outras pessoas e trocar experiências facilita a adaptação ao mercado”, reforça Moreira. Participar de grupos, eventos e iniciativas voltadas para o empreendedorismo nessa idade pode abrir portas e gerar oportunidades, além de mantê-los ativos.

Embora muitas pessoas enxerguem o empreendedorismo como uma oportunidade de realização pessoal, a realidade de grande parte dos empreendedores 60+ no Brasil é menos romântica.

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“Existe um grupo que empreende porque quer, porque se sente realizado, mas também há muitos que continuam trabalhando porque precisam”, destaca Moreira.

Com o aumento do custo de vida e aposentadorias que nem sempre são suficientes para cobrir as despesas básicas, empreender se torna, para muitos, uma necessidade.

Em alguns casos, significa garantir o próprio sustento ou complementar a renda familiar. “O ideal é que, independentemente do motivo, a pessoa possa empreender com planejamento e estrutura, para não acabar se sobrecarregando ou enfrentando dificuldades financeiras ainda maiores”, alerta a consultora.

Aposentada cria marca de bonecas negras

Aposentada há seis anos da carreira de bibliotecária, Laiza Menezes, 69, encontrou na arte um novo caminho. Durante 48 anos, trabalhou na Universidade Federal Fluminense (UFF) e, antes mesmo de deixar o cargo, planejava se dedicar ao artesanato. “Sempre gostei de bordar, fazer crochê, trabalhar com as mãos”, diz.

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O que ela não previa era que, ao longo desse percurso, encontraria um nicho de mercado carente de representação: bonecas negras. “Durante a pandemia, comecei a fazer bonecas por brincadeira e fui pesquisar o mercado. Descobri que apenas 7% das bonecas no Brasil são pretas. Falei: ‘estou perdendo tempo, tenho que investir nisso’.”

Assim nasceu em 2020 a Abayomi, marca que hoje vende peças de R$ 150 a R$ 250 em feiras de bairros nobres do Rio de Janeiro, como Ipanema, Flamengo e Botafogo.

Bonecas da marca Abayomi, criada em 2020 pela bibliotecária aposentada Laiza Menezes. Foto: Divulgação/Gweiss.foto

Inicialmente, Menezes conciliava a produção com o trabalho na universidade. A primeira venda foi feita pela filha, que postou uma foto no Instagram. “Em 15 minutos, todas as bonecas foram vendidas”, lembra.

Com a crescente demanda, decidiu formalizar a empresa em 2022, registrando CNPJ, estruturando a precificação e separando as finanças pessoais das do negócio. “No início, era tudo intuitivo, não tinha base científica. Hoje, tenho um controle financeiro organizado e um pequeno pró-labore.”

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A experiência trouxe maturidade para lidar com desafios. “Empreender na terceira idade me deu paciência para percorrer esse caminho e resolver conflitos com calma e sabedoria”, afirma.

No entanto, a adaptação ao universo digital segue como um obstáculo: “Nasci no mundo analógico, não vivo com o celular. Sempre peço para minha neta ou filha mexerem no Instagram.”

Mesmo com as dificuldades, a Abayomi prospera. Com um investimento inicial menor do que R$ 5 mil, o faturamento da marca cresceu 30% no último ano, e Menezes passou a ser convidada para palestrar sobre sua experiência e comemora o reconhecimento do seu trabalho.

Para ela, empreender é também um caminho de realização pessoal. “Não faço mais minhas viagens internacionais – parei de fazê-las para economizar a minha aposentadoria e tocar o negócio –, mas a viagem emocional e profissional tem sido muito mais agradável.”

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Comerciante recomeça e abre lojas de joias em MS

Amauri Raizer, 63, se encontrou em um novo negócio. Ela começou a empreender aos 20 anos, com uma loja de equipamentos agropecuários em Caarapó (MS), onde trabalhou por 34 anos. Depois, vendeu o negócio e passou dois anos afastada do comércio, até decidir recomeçar, prestes a chegar na terceira idade, em um ramo completamente diferente: joias feitas com pedras naturais.

A inspiração surgiu de forma inesperada. Em sua fazenda, na região de Miranda (MS), Raizer descobriu pedras de quartzo, morium, motilados, grafite e outras variedades.

“Fui lapidando, guardando, e as pessoas começaram a pedir, a perguntar se eu conhecia alguém que fizesse algo dessas pedras”, conta.

O que começou como um hobby em 2019 virou um novo negócio: a Madam Joias, marca que hoje tem duas lojas em Bonito e uma em Campo Grande.

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Brinco Glamour, da Madam Joias, feito com as pedras naturais druza, quartzo verde ou amonita. Foto: Divulgação/Madam Joias

O recomeço envolveu desafios, mas a experiência ajudou na transição. “Eu comecei fazendo uma coisa ou outra, e foi crescendo. Não peguei um valor específico para investir no negócio. Fui fazendo artesanato e ele começou a andar”, explica.

Para estruturar a nova empresa, buscou consultoria do Sebrae, que auxiliou na precificação, marketing e gestão financeira.

Apesar da bagagem, Raizer destaca que empreender na maturidade traz desafios específicos. “A vida nos ensina muito, mas o mundo muda rápido. A tecnologia avança, e o que é novo hoje, amanhã não é mais. Nunca sabemos de tudo e estamos sempre aprendendo”, reflete.

Para manter a marca relevante, ela se esforça para acompanhar as tendências digitais: “Procuro me manter online e atualizada porque senão ninguém vai me conhecer no mercado.”

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Com faturamento de cerca de R$ 500 mil no último ano, Raizer vê no trabalho uma fonte de prazer e propósito. “Não sei ficar parada, e isso me ajuda muito. Faço o que gosto, e assim me mantenho informada e ativa. Quando a pessoa faz o que gosta, não importa a idade, nada impede.”

Falta de emprego para idosos estimula empreendedorismo

Para o professor de economia da USP Paulo Feldmann, há uma tendência no Brasil de as empresas reduzirem as oportunidades para profissionais mais velhos.

“É um problema cultural brasileiro. Depois dos 50 anos, torna-se muito difícil permanecer no mercado de trabalho, especialmente em grandes empresas, que costumam dispensar funcionários à medida que se tornam idosos”, afirma.

Diante dessa realidade, muitos acabam recorrendo ao empreendedorismo, seja criando um negócio próprio, seja se associando a uma empresa já existente.

Esse movimento ganhou força durante a pandemia, impulsionado pelo aumento do desemprego, mas perdeu ritmo com a alta da taxa de juros, atualmente em 14,25%.

“Com esse cenário, muitos idosos preferem aplicar o dinheiro da aposentadoria no tesouro direto, por exemplo, em vez de investir em um novo negócio. Ainda assim, há aqueles que seguem empreendendo”, explica Feldmann.

Para reverter essa queda, o professor defende a implementação de políticas públicas voltadas ao estímulo do empreendedorismo na terceira idade, como linhas de crédito facilitadas e incentivos à participação em concorrências – medidas que já são adotadas em países como França, Itália, Japão e Estados Unidos, onde as pequenas empresas representam mais da metade do PIB. No Brasil, esse percentual ainda é de apenas 28%.

“Se mais pessoas acima dos 60 anos se tornassem empreendedoras, isso poderia gerar um impacto econômico positivo, especialmente considerando que essa parcela da população já representa mais de 15% do total de brasileiros”, conclui.

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