A briga pelo espólio do império de Logan Roy na série Succession, da HBO Max, que chegou ao fim em 2023, pode parecer distante dos problemas dos pequenos empreendedores brasileiros. Apesar disso, a realidade é que as dificuldades apresentadas na série podem guardar paralelos com disputas comuns em empresas de gestão familiar, desde as grandes companhias até os pequenos negócios.
As disputas internas em grandes corporações, desde a News Corp de Rupert Murdoch - apontado com uma das inspirações da série - até os conflitos na família Diniz nos anos 1990 pela gestão do Pão de Açúcar guardam semelhança ao misturar os conflitos familiares com a gestão das empresas. Essa é, em realidade, a gênese de todos os conflitos em empresas de gestão familiar.
“Seja qual for a empresa, são dinâmicas e conflitos familiares interferindo em conflitos corporativos. Vai mudar o grau e tipo de conflitos, mas a lógica é a mesma”, afirma o professor de administração da Faap e consultor em estratégia de marketing José Sarkis Arakelian.
Ele explica que uma maneira de lidar com a situação é estabelecer mecanismos de gestão sólidos, tornando a empresa mais madura e menos propensa a interferências da família. “O conceito básico é que não é a empresa que é familiar, a gestão que é”, diz.
Os problemas podem envolver gestão de caixa da empresa e divulgação de resultados e afetar os processos de seleção, treinamento, contratação e promoção de funcionários.
Maioria não tem mecanismos para lidar com disputa familiar
A maioria das empresas familiares, porém, não possui mecanismos voltados especificamente para lidar com disputas que envolvam problemas da família.
Segundo pesquisa de 2023 da consultoria PwC, que ouviu mais de 2 mil líderes de empresas familiares ao redor do mundo, 28% dos líderes desse tipo de empresa no Brasil afirmam ter mecanismos específicos para lidar com o problema. A média global é ainda menor: 19%.
A pesquisa aponta ainda que 26% dos entrevistados brasileiros dizem que divergências familiares são o seu maior desafio para construção de confiança com stakeholders.
Além disso, 38% dos entrevistados no Brasil dizem não possuir estruturas formais de governança implantadas, como acordos de acionistas e protocolos familiares.
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Alguns problemas de gestão comuns em empresas familiares
- Gestão de caixa: o volume de retirada pode se tornar um problema quando mecanismos de controle não são estabelecidos, especialmente quando a família cresce;
- Gestão de pessoas: os processos de seleção, contratação, treinamento e promoção podem ser afetados, priorizando afinidades pessoais em detrimento de habilidades técnicas;
- Decisões estratégicas e controle: problemas familiares podem afetar ainda decisões de investimento e desinvestimento, levando em conta preferências pessoais dos tomadores de decisão.
Processos de governança são fundamentais
Segundo Arakelian, o estabelecimento de regras de governança deve ser algo pensado tanto para grandes companhias como para empresas menores. Isso inclui a delimitação de regras claras e independentes que criem fronteiras para decisões técnicas na gestão da companhia.
Um exemplo seriam regras para sucessão, como pontos específicos que devem ser cumpridos pelos filhos para assumirem a gestão.
A depender do tamanho da companhia, os processos se tornam mais complexos, e essa estruturação pode ser feita por consultorias externas. Nesse caso, a criação de um conselho independente é fundamental, com a participação dos membros da família junto de outros integrantes.
Com uma gestão independente e processos estabelecidos, o controle familiar pode até mesmo se tornar uma vantagem para a empresa.
“Muito vezes se pensa que a empresa familiar é um problema, mas, na verdade, ela pode ser uma virtude. Você pode contar com profissionais gabaritados e que estão diretamente relacionados com os propósitos da companhia, com os valores e com a cultura. Que, de fato, vão vestir a camisa”, afirma Arakelian.
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